sábado, 29 de janeiro de 2011

O Movimento Ecologia Profunda

As ideias e princípios do MEP foram desenvolvidos durante a década de 70, pelo filósofo norueguês Arne Naess (1912–2009). No entanto, é pela mão de Bill Devall e George Sessions, ambos estado-unidenses, que as ideias e princípios do movimento e da sua plataforma se tornam conhecidos. Este movimento surge como resposta filosófica e ética à crise ecológica que se tem vindo a acentuar quer no mundo físico quer nas nossas perceções que se desenvolvem deste mundo. A designação ecologia profunda (deep ecology) surge por oposição ao termo ecologia superficial (shalow ecology) que Naess atribui aos aspetos mais técnicos e menos filosóficos da ecologia. Por vezes mal compreendida, esta terminologia pretende apenas salientar as diferenças entre uma abordagem dos temas ecológicos na perspetiva filosófica e na perspetiva técnica. Assim, o termo profundo refere-se a uma abordagem reflexiva e crítica que, transcendendo as questões operacionais, eventualmente, conduz o indivíduo a questionar o seu papel e a sua condição no mundo, levando a uma eventual construção da sua filosofia ecológica (ecosofia). Por outro lado o termo superficial refere-se às abordagens mais pragmáticas, muitas vezes associadas ao desenvolvimento de tecnologias verdes que não revela preocupações de cariz afetivo ou filosófico na relação do indivíduo com o meio circundante. Ainda que Naess (2001) seja um pouco crítico em relação à abordagem da ecologia superficial, referindo que os seus objetivos são essencialmente “a saúde e riqueza das comunidades dos países desenvolvidos” (p. 28), não deixa de valorizar os aspetos científico-tecnológicos da ecologia como nos é dado a perceber quando afirma que “o movimento ecologia profunda é suportado pelos resultados das investigações em ecologia e, mais recentemente, nos trabalhos da biologia conservativa” (p. 26). O MEP procura ultrapassar as visões utilitaristas do mundo natural e cultivar uma relação de inclusão que vê os humanos como constituintes dos ecossistemas e parceiros legítimos de todas as outras espécies. Sem deixar de reconhecer as características particulares dos seres humanos, afirma que, do ponto de vista ecológico, a humanidade é uma espécie entre tantas outras, inevitavelmente interdependente do ecossistema planetário. O MEP apoia-se nas perspetivas científicas veiculadas por James Lovelock e Lynn Margullis na mesma década em que este movimento surgiu e que ficou conhecida por Teoria de Gaia.

Esta perspetiva (gaiana) levanta algumas questões no que respeita à extensão das intervenções da humanidade no mundo natural. Trata-se de uma perspetiva ecocentrada onde o mundo natural é visto como uma extensão de nós mesmos e não como um recurso a explorar à exaustão. Numa mundividência gaiana, pode afirmar-se que os humanos são constituintes do mega organismos Gaia.


Seguidamente transcrevem-se os oito princípios do MEP:

1. O bem-estar e a prosperidade da vida humana e não-humana na Terra têm valor próprio (valor intrínseco, valor inerente). Estes valores são independentes da utilidade do mundo não-humano para os propósitos da humanidade.

2. A riqueza e a diversidade das formas de vida contribuem para a realização destes valores, e são também valores em si mesmo.

3. Os seres humanos não têm o direito de reduzir esta riqueza e diversidade, exceto para satisfazer necessidades humanas vitais.

4. A prosperidade da vida e da cultura humana é compatível com um decréscimo substancial da população humana. A prosperidade da vida não-humana requer esse decréscimo.

5. A atual interferência humana com o mundo não-humano é excessiva, e a situação está a piorar rapidamente.

6. As políticas têm assim de ser alteradas. Elas afetam estruturas económicas, tecnológicas, e ideológicas básicas. A situação resultante da sua alteração será, assim, profundamente distinta da atual.

7. A mudança ideológica ocorrerá, sobretudo, no sentido da apreciação da qualidade de vida (mergulhando em situações de valor inerente) em vez de adesão a padrões de vida cada vez mais elevados. Haverá uma consciência profunda da diferença entre “grande” e “desejável”.

8. Os que subscrevem os princípios anteriores têm a obrigação de direta ou indiretamente tentarem instituir as mudanças necessárias (Silva, 2004, pp. 219-220).

O termo vida, usado no contexto do MEP, refere-se não apenas aos seres vivos mas abrange também paisagens, rios, “culturas humanas e não-humanas” (Devall & Sessions, 1985, p. 70) e ecossistemas; à ecosfera no global e não apenas à dos seres vivos que a constituem. Naess (2001)recorre à expressão “Terra viva”(p. 29) para elucidar a abrangência com que o termo vida é usado neste princípio.

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Devall, B., & Sessions, G. (1985). Deep ecology: Living as if nature mattered. Salt Lake City: Gibbs Smith Publishers.

Naess, A. (2001). Ecology, community and lifestyle. Cambridge: Cambridge University Press.

Silva, J. M. (2004). Ecologia profunda: da ecofilosofia à politica ambiental In M. J. Varandas & C. Beckert (Eds.), Éticas e políticas ambientais. (pp. 211-26). Lisboa: Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa.