sábado, 26 de março de 2011

A Teoria de Gaia


Na década de 70 do século XX, James Lovelock (ver foto), é convidado pela NASA para integrar um projeto de pesquisa de vida em Marte. Durante a sua investigação, Lovelock observa a composição da atmosfera marciana e compara-a com as atmosferas terrestre e venusiana. O cientista apercebe-se que as atmosferas dos dois planeta sem vida (Marte e Vénus) estão em equilíbrio químico; os gases que as constituem não reagem entre si. Em contraste, a atmosfera terrestre é composta por uma mistura gasosa que, na ausência de vida, não poderia existir porque os gases reagem quimicamente entre si, consumindo-se até à extinção o que existisse em menor quantidade. Um dos exemplos mais flagrantes é o metano (principal constituinte do gás natural) que existe em pequenas quantidades na atmosfera e que reage com o oxigénio originando dióxido de carbono e água. Apesar desse contínuo consumo, a concentração de metano na atmosfera é aproximadamente constante. Como pode tal acontecer? A explicação reside nos microrganismo anaeróbios, primeiros habitantes do planeta, que, diariamente, libertam quantidades massivas deste gás para atmosfera repondo a quantidade que é consumida na reação com o oxigénio.
Desta forma Lovelock conclui que o planeta Marte não deve albergar vida como a Terra alberga. Esta ideia, aparentemente simples, conduziu-o à construção de uma nova perspetiva da evolução da vida na Terra: a Teoria de Gaia; o planeta, como um todo, desenvolveu processos homeostáticos que contribuem para a manutenção das condições propícias à vida.
Na perspetiva evolutiva darwinista, mais tradicional, a evolução dá-se por uma adaptação das espécies a um meio ambiente em constante mutação; a vida tem apenas a possibilidade de se adaptar. Na perspetiva de Lovelock, todo o planeta revela mecanismos homeostáticos que constroem e mantém as condições necessárias à manutenção e à evolução da vida; as espécies não só evoluem para se adaptarem às condições do planeta, mas também alteram estas condições de modo a se manterem propícias aos seu desenvolvimento. A Terra é, neste contexto, equiparada a um organismo vivo; um organismo capaz de criar condições propícias à manutenção da sua existência. A este sistema, Lovelock chamou Gaia em homenagem à deusa grega da Terra (ver estátua em segundo plano na foto de James Lovelock) cujo nome cedeu o prefixo geo à geografia e à geologia.
Não há qualquer vislumbre de intencionalidade do planeta nas ideias de Lovelock. A manutenção das condições propícias ao desenvolvimento da vida é a consequência de um sistema complexo constituído, não só, por toda a teia de vida do planeta, mas também pelas rochas, pelos rios e oceanos, pela atmosfera, pelas montanhas e pelos desertos... por tudo o que é constituinte deste oásis de vida que gira em torno do Sol. Não há mais intencionalidade em Gaia do que no sacrifício outonal das folhas de uma árvore ou na produção de suco gástrico por um estômago saciado. Há um conjunto infinito de causas e condições que conduziram a estes acontecimentos, mas, tanto quanto se sabe, nenhuma consciência de intencionalidade está patente nestes processos. O mesmo se passa com o megaorganismo Gaia; um conjunto infinito de causas e condições conduz ao surgimento de um complexo sistema homeostático, mas não se reclama qualquer intencionalidade na sua ação.
Quarenta anos depois do seu nascimento, a Teoria de Gaia é hoje uma consolidada e respeitada teoria científica, com inúmeras evidências da sua adequação a uma descrição holística e dinâmica da história e da vida do planeta Terra.
Está na altura de, seguindo o exemplo de países como o Brasil, reclamar a introdução desta perspetiva como parte integrantes dos currículos de ciências do ensino básico português.

domingo, 13 de março de 2011

Ciência, Tecnologia e Nuclear


Inaugurei a década de oitenta com 12/13 anos e nessa mesma década completei o ensino secundário e entrei para a faculdade. A guerra fria estava ao rubro e os filmes apocalípticos – como o The Day After (1983) – que tinham por temática uma guerra nuclear entre a NATO e o Pacto de Varsóvia, faziam sucesso e abalavam consciências. Boa parte das conversas da minha adolescência tinham por pano de fundo a temática da energia nuclear. Não havia mochila ou casaco meu que não tivesse um crachá, com um sorridente sol vermelho em fundo amarelo, a dizer "Energia Nuclear? Não, obrigado." No início da minha rebelião os protestos contra esta fonte de energia confundiam-se com os protestos contra a corrida ao armamento. Lamentavelmente, a escola da época – à semelhança da escola de hoje – não tinha tempo para debater questões politizadas como estas e dada a ausência das facilidades de acesso à informação que hoje temos, demorei um pouco a sistematizar a opinião; foi o acidente de Chernobyl (1986) que me ajudou a clarificar as ideias e a dizer, mais convictamente "Energia Nuclear? Não obrigado."
Já neste século, escutei um novo discurso sobre a questão do nuclear. Apesar das posições anti-nuclear da Greenpeace, da WWF e de outros grupos ambientalistas, algumas das mais respeitadas cabeças no mundo da ecologia levantam as vozes a seu favor; é o caso de James Lovelock, autor da Teoria de Gaia. Se bem se lembram, esta discussão ainda foi sumariamente abordada em Portugal, no início do primeiro mandato do governo chefiado pelo atual primeiro ministro, José Sócrates. Falava-se então em avançar para a construção de uma central nuclear na região Norte de Portugal, mas a ideia foi posta de lado sem grandes azedumes das partes interessadas.
Os argumentos de que o desenvolvimento tecnológico dos reatores nucleares, a capacidade de automatização e controlo de sistemas e o desenvolvimento das tecnologias de informação eram capazes de garantir uma maior segurança das centrais nucleares, quase me convenceram a deitar fora os crachás da minha adolescência.
Na verdade, este novo discurso pró-nuclear conquistou a minha confiança nas tecnologias de produção de energia nuclear e os crachás não foram para o lixo apenas porque persistiram dúvidas relacionadas com questões sociais. Colocando as coisas de uma forma muito sucinta, são quatro as reticências sociais ao uso da energia nuclear que encontrei:
(1) dificuldade de gestão de resíduos: os resíduos nucleares (essencialmente plutónio) mantêm-se radioativos durante milénios – é uma herança pesada que deixamos àqueles que viverem depois de nós – e o plutónio é a principal matéria-prima das bombas atómicas.
(2) centralização – ao invés da descentralização e autonomia energética, a energia nuclear promove o desenvolvimento de monopólios, quer pelos avultados investimentos (iniciais e de manutenção) quer pela especialização e formação da mão-de-obra necessária para operar uma central termonuclear.
(3) uso das centrais como alvo de ataques – as centrais termonucleares poderão ser alvo preferencial de ataques que pretendam causar sérios danos na região onde se situam; uma situação como a que aconteceu a 11 de Setembro de 2001, direcionada para uma central nuclear teria repercussões muito mais alargadas do que a extensa e triste lista das vítimas das Twin Towers.
(4) direitos de acesso ao nuclear – o acesso à tecnologia nuclear, por parte de regimes não democráticos e, por vezes, hostis, como é o caso dos atuais regimes do Irão e da Coreia do Norte (apenas para citar dois exemplos), põe em perigo a segurança mundial – da produção de energia nuclear à construção de bombas atómicas vai um passo demasiado curto.

Na passada sexta-feira a Europa acordou com a notícia do terramoto e do tsunami que assolaram o Japão. A sociedade japonesa é das sociedades mais industrializadas e mais desenvolvidas do ponto de vista tecnológico do mundo. O nível de organização social também é muito elevado. Se assim não fosse, um terramoto de ML = 8,9 (e as réplicas que se sucederam) que assola uma cidade com uma população de 35,6 milhões de pessoas a viverem na sua área metropolitana, teria consequências muito mais dramáticas; a destruição provocada pelo tsunami que se seguiu revelou-se muito mais séria que a do terramoto, mas, para esse a tecnologia e a ciência atuais não tem resposta.
Não tenho dúvidas que o desenvolvimento tecnológico do Japão fez toda a diferença. A sustentar esta afirmação estão as dimensões da tragédia de 2004 que se abateu sobre países tecnologicamente menos desenvolvidos, como a Tailândia.
Foram também as notícias sobre o Japão que me fizeram tirar os crachás da gaveta. Alertas de fugas de radiação em duas centrais nucleares (Fukushima e Onagawa), áreas contaminadas com radiação, falhas no sistema de refrigeração de uma terceira central (Ibaraki) são notícias aterradoras, mesmo fazendo fé nas palavras do primeiro-ministro japonês de que esta situação não apresenta o perigo de atingir as dimensões de Chernobyl. Mas, apenas porque, talvez, o Japão consiga, hoje, minimizar os danos de forma a controlar a situação, não se pode garantir que o consiga sempre. E as centrais noutros países? E Almaraz? Situada a escassos quilómetros da fronteira Portuguesa. Será que conseguiremos controlar a situação em caso de calamidade?

Aglomerámo-nos em megacidades como Tóquio, Londres, Nova Iorque ou São Paulo e se é certo que os combustíveis fósseis não são a solução para alimentar estas devoradoras de eletricidade, estes últimos dias desvaneceram-me as dúvidas: a energia nuclear também não é, obrigado.

segunda-feira, 7 de março de 2011

Bernard Marris sobre a troca de bens intelectuais


A troca intelectual é fundamentalmente diferente da troca mercantilista. Numa troca intelectual, aquele que dá não perde nada e aquele que recebe, toma, mas não despoja o seu interlocutor. O saber, o conhecimento, a arte, podem assim ser partilhados e "consumidos" por todos. O teorema de Pitágoras por milhões de indivíduos, aplicado a milhares de funções, sem que ninguém fique privado. O conhecimento é um bem coletivo, uma água de juventude da qual todos podemos beber sem despertar a menor frustação no outro.

Bernard Marris (2006), Antimanuel d'economie, tomo 2. Paris: Les cigales. (p. 182).
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