As recentes notícias sobre o surto de Escherichia coli que, até à data, contaminou mais de 3 200 pessoas na Alemanha, das quais 36 morreram, trouxeram para a ordem do dia as questões sobre segurança alimentar.
A E. coli é uma bactéria cujo ecossistema favorito é o tubo digestivo de aves e mamíferos. Esta é uma das espécies mais comuns no tubo digestivo dos humanos e, de um modo geral, não só é inofensiva, mas também um elemento fundamental na digestão dos alimentos. Porém, as bactérias tem a capacidade extraordinária de trocarem ADN e sofrerem mutações rápidas. É devido a esta circunstância que surgem doenças provocadas pela E. coli. Num contacto com outras bactérias, a E.coli adquire um novo gene e forma-se uma nova estirpe. Nalgumas situações, essa nova estirpe pode ser patogénica e resistente aos antibióticos.
A primeira identificação de uma estirpe patogénica de E. coli remonta à década de oitenta do século XX — a O157:H7 é responsável pelo Síndrome Hemolético-urémico que, além de hemorragias, pode causar danos irreversíveis nos rins e conduzir à morte do hospedeiro. A estirpe que provocou o surto na Europa — a O104:H4 — é muito idêntica à bactéria identificada nos anos oitenta e com as mesmas consequências.
A origem destas novas estirpes resulta da combinação do ADN da bactéria inofensiva com outras bactérias patogénicas, nomeadamente, do género Shigella. As Shigella são bactérias causadoras de doenças em primatas (humanos e não-humanos), mas não noutros mamíferos.
A criação intensiva de animais bovinos para consumo humano obriga a que os hábitos alimentares destes sejam alterados e que as rações que lhes servem de alimento tenham componentes de origem animal. Pensa-se que este tipo de atividade poderá estar na génese das estirpes patogénicas de E. coli dado que as rações que servem de alimento aos animais poderão estar contaminadas com bactérias do género Shigella. O tubo digestivo destes animais transforma-se num ecossistema perfeito onde as duas bactéria podem proliferar e gerar novas estirpes mutantes e patogénicas que contaminam as suas fezes, que podem contaminar, terrenos e cursos de água; daqui à contaminação dos humanos é somente um pequeno salto.
O tratamento deste tipo de doenças torna-se particularmente difícil porque os antibióticos administrados aos animais levam a que a população de bactérias que reside no seu tubo digestivo seja resistente à ação desses fármacos. Quando estas contaminam um humano, o uso de antibióticos é desaconselhado não só porque são ineficazes na luta contra a estirpe patogénica, mas também porque podem matar as bactérias da flora intestinal criando um nicho para um maior desenvolvimento da estirpe patogénica. A medicina fica reduzida a um tratamento sintomático que alivia o mal-estar do paciente, mas não é capaz de exercer uma ação que elimine a causa imediata da doença.
As estirpes patogénicas de E. coli não são o único caso de doenças devidas a alterações da cadeia alimentar associada à produção intensiva de animais para consumo humano. Na década de noventa do século passado, inicialmente a Grã-Bretanha e depois o resto da Europa, foi confrontada com casos de Encefalopatia Espongiforme em humanos. A doença foi transmitida aos humanos devido ao consumo de carne proveniente de bovinos contaminados. Esta enfermidade é conhecida há mais de duzentos anos nas ovelhas inglesas e o uso de carne contaminada destes animais na produção de rações para alimentar o gado bovino esteve na origem desta contaminação que acabou por atingir humanos.
A produção intensiva de carne, além de todas as questões éticas e ecológicas que levanta, é, também, insegura. Esta é apenas mais uma razão a somar à extensa lista de razões, que levam o PAN a afirmar que o consumo excessivo de carne é um problema de saúde pública e que devem ser endividados todos os esforços para o reduzir e para terminar com a exploração intensiva de animais para consumo humano.