Inaugurei a década de oitenta com 12/13 anos e nessa mesma década completei o ensino secundário e entrei para a faculdade. A guerra fria estava ao rubro e os filmes apocalípticos – como o The Day After (1983) – que tinham por temática uma guerra nuclear entre a NATO e o Pacto de Varsóvia, faziam sucesso e abalavam consciências. Boa parte das conversas da minha adolescência tinham por pano de fundo a temática da energia nuclear. Não havia mochila ou casaco meu que não tivesse um crachá, com um sorridente sol vermelho em fundo amarelo, a dizer "Energia Nuclear? Não, obrigado." No início da minha rebelião os protestos contra esta fonte de energia confundiam-se com os protestos contra a corrida ao armamento. Lamentavelmente, a escola da época – à semelhança da escola de hoje – não tinha tempo para debater questões politizadas como estas e dada a ausência das facilidades de acesso à informação que hoje temos, demorei um pouco a sistematizar a opinião; foi o acidente de Chernobyl (1986) que me ajudou a clarificar as ideias e a dizer, mais convictamente "Energia Nuclear? Não obrigado."
Já neste século, escutei um novo discurso sobre a questão do nuclear. Apesar das posições anti-nuclear da Greenpeace, da WWF e de outros grupos ambientalistas, algumas das mais respeitadas cabeças no mundo da ecologia levantam as vozes a seu favor; é o caso de James Lovelock, autor da Teoria de Gaia. Se bem se lembram, esta discussão ainda foi sumariamente abordada em Portugal, no início do primeiro mandato do governo chefiado pelo atual primeiro ministro, José Sócrates. Falava-se então em avançar para a construção de uma central nuclear na região Norte de Portugal, mas a ideia foi posta de lado sem grandes azedumes das partes interessadas.
Os argumentos de que o desenvolvimento tecnológico dos reatores nucleares, a capacidade de automatização e controlo de sistemas e o desenvolvimento das tecnologias de informação eram capazes de garantir uma maior segurança das centrais nucleares, quase me convenceram a deitar fora os crachás da minha adolescência.
Na verdade, este novo discurso pró-nuclear conquistou a minha confiança nas tecnologias de produção de energia nuclear e os crachás não foram para o lixo apenas porque persistiram dúvidas relacionadas com questões sociais. Colocando as coisas de uma forma muito sucinta, são quatro as reticências sociais ao uso da energia nuclear que encontrei:
(1) dificuldade de gestão de resíduos: os resíduos nucleares (essencialmente plutónio) mantêm-se radioativos durante milénios – é uma herança pesada que deixamos àqueles que viverem depois de nós – e o plutónio é a principal matéria-prima das bombas atómicas.
(2) centralização – ao invés da descentralização e autonomia energética, a energia nuclear promove o desenvolvimento de monopólios, quer pelos avultados investimentos (iniciais e de manutenção) quer pela especialização e formação da mão-de-obra necessária para operar uma central termonuclear.
(3) uso das centrais como alvo de ataques – as centrais termonucleares poderão ser alvo preferencial de ataques que pretendam causar sérios danos na região onde se situam; uma situação como a que aconteceu a 11 de Setembro de 2001, direcionada para uma central nuclear teria repercussões muito mais alargadas do que a extensa e triste lista das vítimas das Twin Towers.
(4) direitos de acesso ao nuclear – o acesso à tecnologia nuclear, por parte de regimes não democráticos e, por vezes, hostis, como é o caso dos atuais regimes do Irão e da Coreia do Norte (apenas para citar dois exemplos), põe em perigo a segurança mundial – da produção de energia nuclear à construção de bombas atómicas vai um passo demasiado curto.
Na passada sexta-feira a Europa acordou com a notícia do terramoto e do tsunami que assolaram o Japão. A sociedade japonesa é das sociedades mais industrializadas e mais desenvolvidas do ponto de vista tecnológico do mundo. O nível de organização social também é muito elevado. Se assim não fosse, um terramoto de ML = 8,9 (e as réplicas que se sucederam) que assola uma cidade com uma população de 35,6 milhões de pessoas a viverem na sua área metropolitana, teria consequências muito mais dramáticas; a destruição provocada pelo tsunami que se seguiu revelou-se muito mais séria que a do terramoto, mas, para esse a tecnologia e a ciência atuais não tem resposta.
Não tenho dúvidas que o desenvolvimento tecnológico do Japão fez toda a diferença. A sustentar esta afirmação estão as dimensões da tragédia de 2004 que se abateu sobre países tecnologicamente menos desenvolvidos, como a Tailândia.
Foram também as notícias sobre o Japão que me fizeram tirar os crachás da gaveta. Alertas de fugas de radiação em duas centrais nucleares (Fukushima e Onagawa), áreas contaminadas com radiação, falhas no sistema de refrigeração de uma terceira central (Ibaraki) são notícias aterradoras, mesmo fazendo fé nas palavras do primeiro-ministro japonês de que esta situação não apresenta o perigo de atingir as dimensões de Chernobyl. Mas, apenas porque, talvez, o Japão consiga, hoje, minimizar os danos de forma a controlar a situação, não se pode garantir que o consiga sempre. E as centrais noutros países? E Almaraz? Situada a escassos quilómetros da fronteira Portuguesa. Será que conseguiremos controlar a situação em caso de calamidade?
Aglomerámo-nos em megacidades como Tóquio, Londres, Nova Iorque ou São Paulo e se é certo que os combustíveis fósseis não são a solução para alimentar estas devoradoras de eletricidade, estes últimos dias desvaneceram-me as dúvidas: a energia nuclear também não é, obrigado.
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