terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Encontros e desencontros

Os movimentos ecológicos, em particular o Movimento Ecologia Profunda (MEP), e os Movimentos de Defesa dos Direitos dos Animais não-humanos (MDDAnh) apresentam alguns pontos de colisão. Sendo o PAN um partido com preocupações nas áreas da ecologia e da defesa dos direitos dos animais, parece pertinente que se discutam as questões onde se possam verificar alguns desses conflitos. Contudo, antes de passarmos à discussão destas questões é importante deixar um pouco mais claro o que é o MEP.

O termo vida, usado no contexto do MEP, refere-se à ecosfera no global e não apenas à dos seres vivos que a constituem. Naess recorre à expressão “Terra viva” para elucidar a abrangência com que o termo vida é usado neste princípio.


Enquanto que os MDDAnh dirigem o seu enfoque para a proteção do indivíduo e, em particular dos animais domésticos ou sob responsabilidade dos humanos (como é o caso de animais que vivem em zoos), o MEP coloca o seu ênfase na proteção do ecossistema ou das espécies, mostrando uma menor preocupação com o bem-estar do indivíduo. No entanto, isto não significa que os apoiantes do MEP considerem aceitável maltratar um indivíduo de uma espécie desde que isso não coloque em perigo o ecossistema ou a sobrevivência da espécie. A generalidade dos apoiantes do MEP vê estas situações como desrespeito simultâneo do indivíduo violentado e do ecossistema de que o animal não-humano faz parte.

Para maior clareza apresenta-se uma lista dos principais pontos de acordo entre os MDDAnh e o MEP.

  1. Oposição ao uso comercial de animais (domésticos ou selvagens) para a produção de peles para vestuário - o apoiantes do MEP tal como os apoiantes do MDDAnh opõem-se ao uso de animais para a produção de peles, marfins, medicamentos, fragrâncias, etc;
  2. Proteção dos habitats naturais - o reconhecimento da necessidade de preservação dos habitats naturais é, ainda que por vezes por motivos distintos, comum aos apoiantes dos dois movimentos;
  3. Oposição ao tratamento cruel de animais quer na indústria alimentar quer no uso injustificado em investigação científica - um dos estandartes dos MDDAnh é sem dúvida suportado pelo apoiantes do MEP;
  4. Oposição à domesticação de animais selvagens para consumo humano - enquanto que os apoiantes dos MDDAnh são, em geral, mais abrangentes nesta exigência, os apoiantes do MEP opõem-se à domesticação de animais selvagens como por exemplo o bisonte ou o búfalo, para consumo humano; esta questão será retomada no ponto relativa à alimentação.
Em seguida são apresentados alguns pontos em que pode emergir o conflito entre as posições dos MDDAnh e o MEP:
  1. Espécie vs. Indivíduo - como já foi referido enquanto que, de um modo geral o enfoque dos MDDAnh é colocado na defesa dos direitos individuais, os apoiantes do MEP, sem deixarem de condenar os maus-tratos a animais, colocam o seu enfoque na proteção do ecossistema mesmo quando isso implica o sacrifício de alguns indivíduos;
  2. Antropomorfismo e sofrimento individual - os MDDAnh sustentam uma hierarquização de direitos em função da complexidade do animal e da proximidade filogenética à espécie humana; um apoiante dos MDDAnh, não hesitará em eliminar as pulgas, carraças e outros parasitas internos ou externos de um cão ou um gato. Apesar de existirem evidências no domínio da biologia evolutiva e da etologia animal que apontam para uma partilha de sentimentos e emoções entre, por exemplo, muitas espécies de mamíferos, legitimando de certa forma a hierarquização estabelecida pelos MDDAnh, o MEP atribui valor intrínseco a cada uma das espécies vivas (mesmo as espécies não-animais) e defende que todas elas têm um papel igualmente importante na manutenção do equilíbrio ecológico e não valoriza uma em detrimento de outra; Convém, no entanto, salvaguardar que os apoiantes do MEP não se opõem à prestação de cuidados de higiene e saúde a animais domésticos ou mesmo a animais selvagens, reconhecem porém o papel controlador no número de indivíduos de uma espécie que, por exemplo, os parasitas poderão ter.
  3. Alimentação: vegetarianismo/veganismo - ainda que alguns apoiantes do MEP sejam vegetarianos ou veganos não há por parte dos apoiantes deste uma particular preocupação neste sentido. Ainda que os argumentos ecológicos da produção em massa de animais para consumo humano sejam uma preocupação dos apoiantes do MEP, estes não se opõem à produção biológica que respeite as necessidades dos animais e lhes propicie boas condições de vida durante a sua criação. Outra potencial fonte de alimentos de origem animal será a caça ou a pesca em pequena escala;
  4. Caça e pesca - sendo o enfoque do MEP no ecossistema reconhece a predação como uma relação biótica de importância fundamental na manutenção do equilíbrio do ecossistema. Por outro lado, o reconhecimento da espécie humana como uma espécie idêntica às outras, seria absurdo negar-lhe o “direito” a essa relação biótica. Por outro lado, a excessiva intervenção humana em grandes áreas naturais, em particular na Europa (a região mais humanizada do planeta) conduziu à eliminação ou diminuição de populações de predadores que obrigam a um controlo por parte dos humanos das espécies predadas, como coelhos, ratos do campo, etc. Em relação à pesca, a situação mantém-se. Os apoiantes do MEP opõe-se às práticas destrutivas de pesca, como é o caso do arrasto, à captura de indivíduos que ainda atingiram a sua maturidade sexual e a outras práticas que coloquem em risco o equilíbrio dos ecossistemas marinhos, porém não se opõem à captura para consumo indivídual.
  5. Espécies selvagens exóticas e animais domésticos que se tornaram selvagens - os apoiantes do MEP opõem-se à introdução de espécies exóticas (selvagens ou semi-selvagens) num habitat estabelecido porque reconhecem que a perturbação que daí pode advir poderá ser irreversível. Os MDDAnh apoiam a manutenção de grupos de animais semi-selvagens (geralmente cães ou gatos) em habitats e ecossistemas estabelecidos (é importante salientar que os ambientes urbanos também são ecossistemas e que algumas espécies se adaptaram perfeitamente a esses ambientes ao ponto de começarem a ser olhadas como sub-espécies). Esta situação necessita de um apertado controlo sobre os efeitos que isto poderá ter nas outras espécies que também habitam no ecossistema.

Pontos em que o MEP assume uma posição flexível circunstancial:

  1. Manutenção de animais em Zoo e aquários - a manutenção de animais selvagens em cativeiro é, regra geral, alvo de crítica dos apoiantes do MEP. No entanto, reconhecem, em determinadas circunstâncias a importância que estas instituições poderão ter na proteção do ecossistema e na manutenção das espécies. Os zoos e aquário funcionam frequentemente como centros de reprodução de determinadas espécies permitindo a reintrodução de novos indivíduos no habitat natural. Também reconhecem a importância que estes espaços poderão ter na promoção da educação ecológica, na manutenção de uma variabilidade genética e no estudo de comportamentos (sociais, reprodutores, alimentares, etc) das espécies mantidas em cativeiro. Desta forma, os apoiantes do MEP tendem a adotar uma postura de policiamento destas instituições como forma de garantir que, aos animais mantidos em cativeiro, são propiciadas todas as condições que lhes permita ter uma vida com qualidade e a reprodução de hábitos e comportamentos essenciais que teriam em liberdade.

1 comentários:

António Caldeira disse...

Mostra que em ecologia existe um rol numeroso de aspectos em que o PAN se terá que definir. Por mim, serei sempre pelo respeito de todas as formas de vida, embora existam necessariamente aspectos práticos onde uma tomada de posição implica rejeições difíceis

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