terça-feira, 12 de abril de 2011

Comunicado do PAN sobre a opção nuclear

Portugal necessita de uma estratégia bem definida para resolver a mais pesada das facturas da sua balança comercial: a energética. Esta dependência energética corresponde a metade do défice externo da economia portuguesa.
No passado, e por boas razões, os governos portugueses não adoptaram a opção nuclear. No entanto, há uma ideia, propagada por certos empresários e ecoada por alguns políticos, que concebe a energia nuclear como "barata, segura e limpa". Este comunicado visa expor as considerações falaciosas desta afirmação.
Em primeiro lugar e relativamente ao custo da energia nuclear. Tomemos como exemplo os países estrangeiros que operam com estas unidades: o preço da energia eléctrica nuclear traduz claramente uma opção política. Há os avultados subsídios que os estados atribuíram à construção das centrais termonucleares, depois há subsídios contínuos para os consumíveis das centrais como o urânio e a água, para os seguros de risco e de responsabilidade civil, para o tratamento dos resíduos radioactivos e para o desmantelamento da unidade depois do seu tempo de vida útil, para além de outros benefícios fiscais. Estima-se* que sem os subsídios o custo da energia nuclear seria 140 % mais elevado do que o preço médio de energia entre 1960 e 2008.
As pastilhas de combustível de dióxido de urânio, depois de usadas, têm de ser guardadas durante cerca de sessenta anos em poços para arrefecerem e para os seus isótopos decaírem. Os poços têm de ser mantidos refrigerados e cheios de água. Em devido tempo este lixo terá de ser acondicionado, por meio de robótica telecomandada, em vasilhas revestidas de chumbo, aço e cobre electrolítico puro que serão depois enterradas no interior de gigantescos repositórios geológicos considerados seguros. Todo este procedimento é muito dispendioso.
Outro aspecto que vai continuamente inflacionar o preço desta energia prende-se com o facto de a energia nuclear não ser uma fonte de energia renovável. As jazidas de urânio no planeta estão a desaparecer, e à medida que se forem explorando os locais onde a percentagem de urânio é mais baixa ou este se encontrar a maior profundidade o preço do combustível nuclear vai aumentar.
Na sequência do recente acidente em Fukushima, no Japão, têm tido lugar reuniões internacionais e foram criadas equipas especializadas para redefinir e avaliar as condições de segurança de todas as centrais nucleares, diligências que trazem consigo mais custos, imputáveis portanto à própria indústria nuclear. Em conclusão, a energia nuclear não é nem barata nem rentável.
Falemos agora da questão da segurança da energia nuclear. Conta-se já cerca de uma centena de incidentes na história da energia nuclear, que teve início no princípio da segunda metade do século XX. De entre aqueles, 19 acidentes documentados cujas consequências se traduziram em mortes e/ou prejuízos acima dos 100 milhões de dólares, sendo os mais conhecidos Chernobyl e Fukushima.
No passado, a Comissão Nuclear Governamental dos Estados Unidos estimou que a probabilidade de haver um acidente e consequente fusão de núcleos era de 15 % a 45 % para um período de vinte anos.
Devido às consequências catastróficas associadas a um acidente nuclear, as centrais nucleares podem passar a ser alvos preferenciais de ataques terroristas.
O lixo radioactivo produzido pelas centrais nucleares, maioritariamente composto por urânio 238, continua a ser altamente radioactivo durante mais de 4 mil milhões de anos. O manuseamento deste lixo e o seu transporte e armazenamento estão todos sujeitos a estritos requisitos de segurança.
Outra questão associada à segurança da energia nuclear prende-se com o facto de a sua utilização em larga escala favorecer a proliferação de armas nucleares, de três maneiras: em primeiro lugar, pela possibilidade de se poder isolar e purificar o plutónio contido no lixo nuclear, processo este que permite a sua utilização em armas nucleares; segundo, através do enriquecimento do combustível para o reactor (urânio 235) de 3,5 % para 90 %, permitindo a sua utilização em bombas atómicas; em terceiro lugar, pela possibilidade de utilização do lixo radioactivo em combinação com explosivos convencionais, criando as chamadas "bombas sujas".
Com a livre expansão desta indústria a todo o tipo de regimes totalitários e instáveis, corre-se o sério risco de questões de rivalidade regional e internacional ou fanatismo religioso virem a concretizar alguma das acima mencionadas possibilidades. Em conclusão, a energia nuclear não é segura.
Finalmente, a questão sobre se será a energia nuclear 'limpa'. Para além do já referido problema do lixo nuclear que vamos legar a milhares de gerações futuras, outros prendem-se à operação contínua de instalações termonucleares. A promoção do nuclear como uma energia limpa que não contribui para o efeito de estufa ignora os seguintes factos:
- o processo de extracção e processamento do minério para uso nas centrais nucleares implica o uso de energia maioritariamente proveniente de fontes fósseis, para além de uma grande quantidade de água;
- o processo de enriquecimento do urânio produz um composto halogenado chamado hex, mais um resíduo perigoso da indústria nuclear, dezenas de milhares de vezes mais potente do que o dióxido de carbono na sua contribuição para o efeito de estufa. A indústria não consegue captar todo este material, parte do qual escapa para a atmosfera. O facto de não haver dados publicados sobre a libertação de compostos halogenados pela indústria nuclear levanta a suspeição de que a sua contabilização eliminaria qualquer vantagem desta sobre a produção de energia através de combustíveis fósseis, no domínio da produção de gases com efeito de estufa;
- estima-se que a produção de dióxido de carbono possa ser cerca de um quarto da produzida numa central termoeléctrica que usa gás natural, no entanto só recentemente é que se conhece e se começou a estudar a libertação de baixas quantidades de substâncias radioactivas como o trítio, carbono 14 e plutónio 239, entre outras, para o ar e águas locais;
- com jazidas de urânio cada vez mais pobres e profundas será necessária uma muito maior quantidade de energia para a mineração, extracção e enriquecimento. Juntando a isto a necessidade de gastar energia no tratamento dos resíduos nucleares e no desmantelamento das fábricas, a indústria nuclear vai aumentar de tal forma a sua quota de produção de dióxido de carbono que acabará por se tornar mais barato e menos poluidor queimar directamente combustíveis fósseis para a produção de energia eléctrica.
Assim, com uma visão global e portanto mais coerente das implicações da indústria nuclear podemos concluir que a energia nuclear não é limpa.
Para além de a energia nuclear não ser barata, não ser segura e não ser limpa, também já se aludiu ao facto de não ser uma fonte de energia renovável ou inesgotável, como alguns pensam. Portanto, a energia nuclear não é solução para a crise energética.
Em vez de investir em megaprojectos como o da energia nuclear, há quem** defenda uma via alternativa, aqui exposta em quatro pontos:
1) melhorar a eficiência energética através de equipamento mais eficiente;
2) potenciar a produção local de energia, bens e serviços. São necessárias reformas estruturantes para reduzir a profunda dependência que a nossa actividade industrial tem da energia para transporte, quer seja de bens, pessoas ou electricidade;
3) projectar e criar sistemas que utilizem energias renováveis adequadas às necessidades locais;
4) à semelhança das quotas de carbono, deveriam existir quotas de energia negociáveis para a totalidade das economias, por forma a diminuir significativamente o consumo de energia.
As duas opções, por um lado a da energia nuclear centralizada e por outro a das energias renováveis descentralizadas, são paradigmas mutuamente opostos que na prática não vão poder ser prosseguidos em conjunto, nomeadamente por a opção nuclear implicar um tremendo investimento financeiro. Cremos que a via a seguir se apresenta como uma autoevidência.
REFERÊNCIAS
*No documento "Nuclear Power Subsidies" da organização não-governamental Union of Concerned Scientists.
**No documento "Lean Guide to Nuclear Energy", de David Fleming, doutorado em Economia pela Universidade de Londres.

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