quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Comunicado do PAN sobre a Cimeira do Clima de Durban

Nos últimos dias decorreu em Durban — África do Sul — a Cimeira do Clima. Marcada por impasses sucessivos, a cimeira culminou num acordo que entusiasma mais pelo receio da sua ausência do que pela sua ambição e eficácia em travar as mudanças climáticas que advêm da elevação da temperatura média do planeta.

O objetivo é que a elevação da temperatura média em relação às médias da era pré industrial não seja superior a 2 ºC, valor acima do qual se prevê que as alterações climáticas assumam proporções catastróficas. Ao ritmo actual de emissões as previsões apontam para um aumento de 4 ºC, o que nos deixa sérias preocupações acerca do futuro. 

A falta de ambição no pacote de medidas aprovadas em Durban, associada à demarcação do Estados Unidos — que arrastaram consigo outros países — e ao fraco empenho da Rússia e do Japão, comprometem o cumprimento do Protocolo de Quioto, que neste momento conta apenas com o compromisso da União Europeia, da Austrália e da Nova Zelândia, sendo que os dois últimos mostram reservas em relação à sua manutenção no futuro. Os resultados desta cimeira poderão ser a machadada final no já moribundo protocolo que nunca foi assinado pelos dois países mais poluidores do mundo — os Estados Unidos e a China — e que o Canadá acabou de rejeitar.

Da Cimeira resultou a formação da Plataforma de Durban para uma Acção Reforçada que deverá criar, até 2015, um grupo de trabalho para elaborar um instrumento com força legal que assegure a diminuição das emissões de forma a manter o aumento da temperatura média abaixo dos 2 ºC. A montanha parece ter parido um rato.

Na versão preliminar do Documento final da Plataforma de Durban para uma Acção Reforçada (Establishment of an Ad Hoc Working Group on the Durban Platform for Enhanced Action - Advance unedited version*) pode ler-se, no primeiro parágrafo, que os países envolvidos na conferência “reconhecem que as alterações climáticas representam uma urgente e potencialmente irreversível ameaça às sociedades e ao planeta e, por isso, requerem uma abordagem urgente de todos os participantes”. O texto prossegue afirmando que os participantes também “reconhecem que a natureza global das alterações climáticas necessita da mais alargada possível cooperação de países, bem como da sua participação numa resposta internacional efetiva e apropriada que tenha como objectivo a aceleração da redução global da emissão de gases potenciadores do efeito estufa”. Contudo, os acordos estabelecidos não fazem justiça às preocupações anunciadas.

Na perspetiva do PAN, o resultado desta cimeira denota a irresponsabilidade dos representantes dos diversos países perante uma situação tão grave e séria como as alterações climáticas que, como em outras situações, mostram mais preocupação em proteger os mercados e as corporações detentoras do poder económico do que o planeta e os cidadãos. Trata-se, no fundo, de uma crise de valores, que conduz a um sério défice democrático mesmo nas sociedades cujos governos foram democraticamente eleitos. É urgente que a temática das alterações climáticas assuma um maior protagonismo no debate da sociedade civil em Portugal, na Europa e no Mundo e que os representantes dos países democráticos traduzam melhor aquela que é a vontade das populações e assumam os compromissos com aqueles que os elegeram.

Este fracasso parcial da Cimeira de Durban leva a que o PAN se sinta ainda mais responsável e empenhado em trazer para o palco do discurso político nacional esta e outras temáticas com respeito ao ambiente. Temáticas estas intimamente relacionadas com as questões da famosa crise financeira que teima em alastrar pela Europa.

Num mundo global e interdependente, que enfrenta problemas tão graves como estes, urge a emergência de um novo paradigma ético e civilizacional que sirva os interesses de pessoas, animais e natureza e não os interesses de uma minoria poderosa. Um paradigma pelo qual o PAN não desistirá de se debater; um paradigma que permita a construção de uma civilização pelo bem de tudo e de todos.

* O documento encontra-se disponível neste endereço:http://www.scribd.com/doc/75365170/Establishment-of-an-Ad-Hoc-Working-Group-on-the-Durban-Platform-for-Enhanced-Action-Advance-unedited-version

domingo, 27 de novembro de 2011

Hidroelétrica de Belo Monte — Não é o teu país, mas é o teu planeta. Informa-te e age.

Este vídeo do Movimento Gota d'Água pretende envolver a sociedade brasileira na discussão do planejamento energético do Brasil através da obra da usina hidrelétrica de Belo Monte.


domingo, 20 de novembro de 2011

Human Impact Report: The anatomy of a silent crisis

"Nos nossos dia, milhões de pessoas sofrem devido às alterações climáticas.
O silêncio mortal desta crise é um sério entrave à ação internacional que visa terminá-la.
Este relatório procura documentar o impacto das alterações climáticas na vida humana à escala global. A ciência só agora começa a procurar compreender o impacte humano das alterações climáticas. Contudo, dúzias de organizações e peritos de investigação que contribuíram para este relatório, concordam no dano alargado que estas podem vir a causar. 
Parece-nos que este relatório traduz a posição mais plausível sobre o impacte que alterações climáticas têm nos nossos dias."

Estas são as primeiras palavras que Kofi Annan escreveu no prefácio deste relatório publicado recentemente pelo Global Humanitarian Forum.


Human Impact Report: The anatomy of a silent crisis

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Síntese de propostas do PNUMA — Rumo a uma Economia Verde

Uma síntese de propostas do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente.
Aconselho vivamente a leitura.

PNUMA_Rumo À Economia Verde_Síntese_PT

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

O que está errado no nosso sistema alimentar

Com apenas 11 anos, Birke Baehr apresenta o seu ponto de vista sobre uma fonte principal de comida - as quintas industriais, distantes e pouco pitorescas.Ele argumenta que manter as quintas longe da vista promove uma visão cor-de-rosa e irreal de agricultura em larga escala, enquanto que dá directivas para localizar e tornar mais verde a produção de alimentos.


domingo, 6 de novembro de 2011

Eric Berlow: Como a complexidade leva à simplicidade

O ecologista Eric Berlow não se sente confuso quando se confronta com sistemas complexos. Ele sabe que mais informação pode levar a uma solução melhor, mais simples. Utilizando algumas dicas e truques para decompor os grandes problemas, ele resume um enorme infográfico sobre a estratégia dos EUA no Afeganistão a alguns pontos essenciais.

sábado, 22 de outubro de 2011

Mudanças climáticas: novos dados novas evidências

Um estudo independente realizado na Califórnia refuta muitos dos argumentos dos céticos das mudanças climáticas. A grande questão que, aparentemente se mantém por desvendar, é o peso da ação humana nessas mudanças. Leia a notícia completa no Público Ecoesfera: http://ecosfera.publico.pt/noticia.aspx?id=1517645.

sábado, 13 de agosto de 2011

Desenvolvimento e colonialismo

Desenvolvimento é uma nova forma de colonialismo. Aceitamos palavras como subdesenvolvido, em desenvolvimento e desenvolvido sem nos apercebermos que são impostas pelos antigos colonizadores. O termo mais recente globalização, é ainda pior. A divisão já não se centra na Europa versus Ásia, mas ricos versus pobres e Norte versus Sul. O Norte tem impacto no Sul através do investimento para o lucro - vendendo bens manufaturados e equipamento e treino militar. O Sul paga com os seus recursos naturais e mão de obra barata, produzindo produtor agrícolas a preços pouco vantajosos para os pequenos agricultores locais, que pagam taxas de juro alarmantemente elevadas para créditos essenciais. Os países do Sul perdem as suas culturas indígenas e a soberania dos seus Estados, e sofrem devido à degradação ambiental, à pobreza, à fome, à deslocação e ao desenvolvimento de subúrbios urbanos degradados (slums). Entretanto o fosso entre ricos e pobres acentua-se.
O Norte também não está assim tão bem. As pessoas são adictas do consumo, da cultura de massas e das drogas. Sofrem os efeitos da poluição, da degradação ambiental, e da perda de valores fundamentais. As populações urbanas enfrentam o aumento da criminalidade, pobreza e do número de sem-abrigo. Os que estão empregados sofrem de excesso de trabalho à medida que o poder das corporações aumenta. Os indivíduos perdem o sentido do que faz sentido e da paz.

Sulak Sivaraksa (2009)
The Wisdom of Sustainability: Buddhist Economics for the 21st Century
Kihei, Koabooks


Saber mais:

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Bactérias, consumo de carne e higiene alimentar: uma trilogia mortífera

As recentes notícias sobre o surto de Escherichia coli que, até à data, contaminou mais de 3 200 pessoas na Alemanha, das quais 36 morreram, trouxeram para a ordem do dia as questões sobre segurança alimentar. 
A E. coli é uma bactéria cujo ecossistema favorito é o tubo digestivo de aves e mamíferos. Esta é uma das espécies mais comuns no tubo digestivo dos humanos e, de um modo geral, não só é inofensiva, mas também um elemento fundamental na digestão dos alimentos. Porém, as bactérias tem a capacidade extraordinária de trocarem ADN e sofrerem mutações rápidas. É devido a esta circunstância que surgem doenças provocadas pela E. coli. Num contacto com outras bactérias, a E.coli adquire um novo gene e forma-se uma nova estirpe. Nalgumas situações, essa nova estirpe pode ser patogénica e resistente aos antibióticos.
A primeira identificação de uma estirpe patogénica de E. coli remonta à década de oitenta do século XX — a O157:H7 é responsável pelo Síndrome Hemolético-urémico que, além de hemorragias, pode causar danos irreversíveis nos rins e conduzir à morte do hospedeiro. A estirpe que provocou o surto na Europa — a O104:H4 — é muito idêntica à bactéria identificada nos anos oitenta e com as mesmas consequências.
A origem destas novas estirpes resulta da combinação do ADN da bactéria inofensiva com outras bactérias patogénicas, nomeadamente, do género Shigella. As Shigella são bactérias causadoras de doenças em primatas (humanos e não-humanos), mas não noutros mamíferos.
A criação intensiva de animais bovinos para consumo humano obriga a que os hábitos alimentares destes sejam alterados e que as rações que lhes servem de alimento tenham componentes de origem animal. Pensa-se que este tipo de atividade poderá estar na génese das estirpes patogénicas de E. coli dado que as rações que servem de alimento aos animais poderão estar contaminadas com bactérias do género Shigella. O tubo digestivo destes animais transforma-se num ecossistema perfeito onde as duas bactéria podem proliferar e gerar novas estirpes mutantes e patogénicas que contaminam as suas fezes, que podem contaminar, terrenos e cursos de água; daqui à contaminação dos humanos é somente um pequeno salto.
O tratamento deste tipo de doenças torna-se particularmente difícil porque os antibióticos administrados aos animais levam a que a população de bactérias que reside no seu tubo digestivo seja resistente à ação desses fármacos. Quando estas contaminam um humano, o uso de antibióticos é desaconselhado não só porque são ineficazes na luta contra a estirpe patogénica, mas também porque podem matar as bactérias da flora intestinal criando um nicho para um maior desenvolvimento da estirpe patogénica. A medicina fica reduzida a um tratamento sintomático que alivia o mal-estar do paciente, mas não é capaz de exercer uma ação que elimine a causa imediata da doença.
As estirpes patogénicas de E. coli não são o único caso de doenças devidas a alterações da cadeia alimentar associada à produção intensiva de animais para consumo humano. Na década de noventa do século passado, inicialmente a Grã-Bretanha e depois o resto da Europa, foi confrontada com casos de Encefalopatia Espongiforme em humanos. A doença foi transmitida aos humanos devido ao consumo de carne proveniente de bovinos contaminados. Esta enfermidade é conhecida há mais de duzentos anos nas ovelhas inglesas e o uso de carne contaminada destes animais na produção de rações para alimentar o gado bovino esteve na origem desta contaminação que acabou por atingir humanos.
A produção intensiva de carne, além de todas as questões éticas e ecológicas que levanta, é, também, insegura. Esta é apenas mais uma razão a somar à extensa lista de razões, que levam o PAN a afirmar que o consumo excessivo de carne é um problema de saúde pública e que devem ser endividados todos os esforços para o reduzir e para terminar com a exploração intensiva de animais para consumo humano.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Zé Cláudio Ribeiro - Assassinado por Defender as Florestas da Amazônia

Zé Claudio Ribeiro, extrativista da Amazônia foi assassinado esta 3ª, dia 23/05/2011 junto com a sua esposa Maria do Espirito Santo da Silva, em Nova Ipixuna, no Pará.


O PAN presta aqui sentida homenagem a este homem pelo seu trabalho na defesa do ambiente, pela preservação da Floresta Amazónica, pela sua coragem e determinação.

Que a sua vida não tenha sido em vão. "Está nas nossas mãos" (como nos diz no video acima).

terça-feira, 17 de maio de 2011

PAISAGEM PROTEGIDA DA ARRIBA FÓSSIL DA COSTA DA CAPARICA – MATA DOS MEDOS

A Mata dos Medos situa-se na plataforma superior da Arriba Fóssil da Costa da Caparica, nos concelhos de Almada e Sesimbra, e ocupa uma faixa de 5 quilómetros ao longo da costa ocidental da península de Setúbal, perfazendo uma superfície de 338 hectares. Terá sido mandada instalar pelo rei D. João V, entre 1689 e 1750, para impedir o avanço das dunas ou medos para as terras agrícolas. É o grande pulmão do concelho de Almada e está inserida na Paisagem Protegida da Arriba Fóssil da Costa da Caparica. Foi classificada como Reserva Botânica em 1971, pelo DecretoLei n.º 444/71, de 23 de Outubro, devido à riqueza florística apresentada. A mata apresenta grande riqueza e diversidade de espécies características do ecossistema de pinhal. Estão assinalados três endemismos lusitânicos e 15 ibéricos de elevado valor botânico.

É uma extensa área de pinhal, com pinheiros centenários e uma reserva botânica com espécies autóctones. O rosmaninho, a aroeira, a sabina-da-praia e o tomilho são alguns exemplares da flora que podemos facilmente encontrar. Na fauna ainda existente, apesar da forte pressão urbanística, persistem algumas rapinas como águias-de-asa-redonda, o açor, o peneireiro-cinzento e o peneireiro-vulgar, bem como alguns exemplares nocturnos, como sejam o mocho-galego e a corujadastorres. A lebre, o ouriço-cacheiro, a toupeira, e ainda a raposa, o toirão, a geneta e o gato-bravo completam a lista da avifauna presente neste maciço verde. Algumas espécies de aves migratórias escolhem também a Mata dos Medos para nidificação. Durante todo o ano residem no pinhal o pica-pau-malhado-grande, a alvéola-branca, a poupa, o cuco, o pintassilgo, o pisco-de-peito-ruivo, o melro, a perdiz-comum, a pega-rabuda e as gralhas. Os anfíbios e os répteis estão também bem representados neste ecossistema costeiro.

Na Mata dos Medos, como em muitas zonas protegidas de elevado interesse ambiental, estão previstos projectos que são alvo de várias críticas por parte de organizações ambientalistas do nosso país. Estas são zonas muito sensíveis que devem ser protegidas, as intervenções nelas realizadas tem de ser bem ponderadas, estudadas e avaliadas, sobrepondo-se a quaisquer interesses economicistas, porque o ambiente não é um produto que se transaccione (apesar de muitas entidades acharem que sim, daí haver cotas de poluição que se comercializam).

No distrito de Setúbal estão previstos projectos rodoviários em zonas protegidas que suscitam sérias dúvidas à população quanto à viabilidade ambiental dos mesmos, o que demonstra acima de tudo a falta de diálogo com a população.

Actualmente, a previsão da construção de uma via turística ao longo da parte superior da Arriba Fóssil, atravessando a Reserva Botânica da Mata dos Medos, constitui mais um factor de pressão que poderá conduzir a um agravamento progressivo da Área de Paisagem Protegida.

O país fez nos últimos anos uma aposta nas infra-estruturas rodoviárias descurando os transportes públicos, encontrando-se estes em declínio, quando são eles a aposta mais sustentável para uma sociedade mais feliz e saudável, constituindo uma opção válida em alternativa à designada “estrada turística Fonte da Telha-Trafaria”.

O projecto em causa irá promover a expansão urbanística em torno da área circundante da via, que se encontrará desclassificada enquanto Paisagem Protegida após a conclusão da via, abrindo as portas à construção e à especulação imobiliária, promovendo mais e mais nova construção em áreas sensíveis de erosão costeira, em detrimento da reconstrução e requalificação de zonas urbanas já existentes.

Numa área já densamente povoada, com graves problemas urbanísticos e de mobilidade, será contraproducente densificar essas áreas a expensas de zonas verdes vitais para a manutenção e recuperação dos sistemas ecológicos da região e para a qualidade de vida das populações.

Para além de projectos rodoviários, também estão previstos empreendimentos turísticos em zonas protegidas, como na Mata de Sesimbra Sul, assente no “turismo do golfe”, e o parque de campismo previsto pelo Programa Polis no Pinhal do Inglês. Este, com uma pressão ocupacional muito elevada, prevista para cerca de 18 000 utentes, representa, segundo a Quercus, “pressão superior em termos de carga humana à já existente e que ultrapassará em muito a capacidade de carga de uma área litoral sensível e que se pretendia protegida”. Por outro lado, a ocupação do Pinhal do Inglês decorrente da deslocalização dos parques de campismo irá traduzir-se em mais um factor de degradação de uma zona verde relevante.

Importa pois analisar cuidadosamente as opções de valorização e circulação rodoviária, prevenir a especulação imobiliária e a construção de mais urbanizações. A qualificação da zona poderá ser feita ponderando seriamente as opções da utilização de transportes públicos, apostando numa rede funcional e de qualidade e, quem sabe, criando zonas de ciclovia que permitam uma afluência mais limpa às praias. O investimento em programas de sensibilização da população permanente e sazonal deverá ser uma prioridade, para que se atribua mais valor à riqueza intrínseca que estas zonas representam. A Paisagem Protegida da Arriba Fóssil da Costa da Caparica é visitada anualmente por centenas de milhar de pessoas, principalmente na época estival, na procura da orla marítima e do usufruto das matas nacionais.

(Fontes - Quercus, ICNB - Instituto de Conservação da Natureza e Biodiversidade)

Candidatura da Serra da Arrábida a Património Mundial da Humanidade - Um exemplo de contradições

O Distrito de Setúbal é uma das zonas mais sensíveis a nível nacional; possui áreas de grande interesse ambiental que têm de ser protegidas, paredes meias com centros industriais com passivos ambientais muito elevados, não deve nem pode por isso ser descurada.

O Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade (ICNB), em conjunto com a Associação de Municípios da Península de Setúbal e as câmaras de Setúbal, Sesimbra e Palmela, submeteram uma candidatura para que a Arrábida fosse considerada Património da Humanidade. Esta iniciativa vai permitir reconhecer e projectar o imenso valor natural e paisagístico de uma das mais belas serras do país, com características que a tornam única.

Debruçada sobre o Atlântico, a serra da Arrábida estende-se, a cerca de 500 metros de altitude, ao longo do litoral entre Setúbal e Sesimbra. O Parque Natural da Arrábida é uma reserva biogenética e foi designada Parque Natural pelo Decreto-Lei n.º 622/76, de 28 de Julho, com uma área aproximada de 10 800 hectares, protegendo a vegetação de tipo mediterrânico nascida deste microclima.

Na fauna, também abundante, estão registadas 213 espécies de vertebrados, das quais são anfíbios, 16 são répteis, 154 são aves e 35 são mamíferos. Um número considerável, tendo em conta que as zonas húmidas constituem uma pequena percentagem deste território. Até ao início do século XX era ainda possível observar lobos, javalis e veados. Segundo o ICNB, actualmente entre as aves destacam-se a águia-de-bonelli (Hieraaetus fasciatus), com o único casal a nidificar na costa portuguesa.

O Parque Marinho Prof. Luiz Saldanha é a área de reserva marinha do Parque Natural da Arrá-bida. Estabelecido em 1998, contempla cerca de 53 km2, correspondentes aos 38quilómetros de costa entre a praia da Figueirinha e o cabo Espichel. É uma área com uma riqueza natural única a nível nacional e europeu, onde se encontram mais de 1000 espécies de animais e algas, que já nos finais do século XIX suscitou o interesse do rei D. Carlos, além de outros naturalistas e também universidades.

Apesar destes atributos e qualidades, a serra da Arrábida tem sido esquecida e palco de uma ocupação irresponsável, não obstante a actual candidatura a Património Mundial.

Como foi referido acima, temos neste distrito uma forte componente industrial que choca com os interesses de conservação desta paisagem.Os exemplos dessa componente industrial vão desde a presença de uma cimenteira instalada em plena serra da Arrábida, esventrando-a ao longo já de vários anos, constituindo também uma fonte de poluição ambiental decorrente da sua actividade, até ao Complexo Industrial de Sines, dele resultando resíduos industriais perigosos.

O depósito dos resíduos perigosos em Sines, no Seixal e no Barreiro totaliza 260 mil toneladas, sendo o mais gravoso o de Sines, com 140 mil toneladas. Passados vários anos a ministra do Ambiente, Dulce Pássaro, garantiu que até ao final deste ano as lamas serão removidas. A questão agora é como vão ser tratadas, pois segundo a Quercus há alternativas à proposta da co-incineração, que afecta directamente o Parque Natural da Arrábida.

Por via desta prática, foi já apresentada por Castanheira Barros, advogado do Movimento de Cidadãos pela Arrábida e Estuário do Sado, uma queixa contra o Estado português no Tribunal Europeu. Não devem ser ignorados os danos que estão a ser causados na saúde pública e no meio ambiente pela libertação, de resíduos perigosos, de poluentes orgânicos persistentes (POP), entre os quais se incluem as dioxinas e os furanos, provenientes da co-incineração, que são substâncias altamente cancerígenas, e cujos efeitos subsistem durante mais de trinta anos.

Outro exemplo de conflito e negligência é o Portinho da Arrábida, uma das mais belas praias da Europa e que carece de uma intervenção séria. Quem o visita encontra um trânsito caótico, acessos pedonais desmoronados e dezenas de sinais de aviso de derrocada de falésias. A floresta coberta de mato e lixo serve também de sanitário.
Não nos podemos esquecer do belo rio Sado, com toda a sua fauna e flora, onde a prática de desportos náuticos e a utilização de barcos de recreio que se passeiam nesta zona originam poluição e deposição de detritos no mar, que inevitavelmente chegam à costa, afectando pelo caminho a fauna marítima. Um exemplo da fauna afectada é a comunidade de golfinhos que é única no país, por residir permanentemente no estuário e não em oceano aberto. No entanto, apesar de ser protegida por lei, não tem sido protegida pelas nossas autoridades.

O ICNB encontra-se neste momento a implementar um Plano de Acção para a Salvaguarda do Roaz do Sado. O plano estabelecido pelo instituto, além de aumentar a fiscalização, cria novos corredores para a navegação de recreio distantes dos locais mais frequentados pelos cetáceos, prevê ainda a monitorização da água e o combate à pesca ilegal. Um diagnóstico efectuado aponta precisamente a poluição como uma das maiores causas do progressivo desaparecimento dos golfinhos do estuário do Sado. Os alimentos contaminados que ingerem regularmente afectam o leite das fêmeas causando uma fraca taxa de sobrevivência das crias. Porém, são as velocidades, os ruídos e as acrobacias dos barcos de recreio, sobretudo nos meses de Verão — época de reprodução destes animais — que explicam as suas alterações comportamentais, conduzindo por vezes à sua morte.

A recuperação da Arrábida, candidata a Património da Humanidade, é possível e desejável, assim haja coragem e vontade das entidades que neste local têm acrescidas responsabilidades. O bem comum, interesse ecológico e equilíbrio deste ecossistema único estão acima de qualquer interesse pessoal, económico ou corporativo.


(Fontes - Quercus, Diário de Notícias, ICNB - Instituto de Conservação da Natureza e Biodiversidade)

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Einstein sobre o vegetarianismo

"Nada beneficiará tanto a saúde humana e aumentará as chances de sobrevivência da vida na Terra quanto a evolução para uma dieta vegetariana. A ordem de vida vegetariana, por seus efeitos físicos, influencá o temperamento dos homens de uma tal maneira que melhorará em muito o destino da Humanidade."
Albert Einstein

terça-feira, 12 de abril de 2011

Comunicado do PAN sobre a opção nuclear

Portugal necessita de uma estratégia bem definida para resolver a mais pesada das facturas da sua balança comercial: a energética. Esta dependência energética corresponde a metade do défice externo da economia portuguesa.
No passado, e por boas razões, os governos portugueses não adoptaram a opção nuclear. No entanto, há uma ideia, propagada por certos empresários e ecoada por alguns políticos, que concebe a energia nuclear como "barata, segura e limpa". Este comunicado visa expor as considerações falaciosas desta afirmação.
Em primeiro lugar e relativamente ao custo da energia nuclear. Tomemos como exemplo os países estrangeiros que operam com estas unidades: o preço da energia eléctrica nuclear traduz claramente uma opção política. Há os avultados subsídios que os estados atribuíram à construção das centrais termonucleares, depois há subsídios contínuos para os consumíveis das centrais como o urânio e a água, para os seguros de risco e de responsabilidade civil, para o tratamento dos resíduos radioactivos e para o desmantelamento da unidade depois do seu tempo de vida útil, para além de outros benefícios fiscais. Estima-se* que sem os subsídios o custo da energia nuclear seria 140 % mais elevado do que o preço médio de energia entre 1960 e 2008.
As pastilhas de combustível de dióxido de urânio, depois de usadas, têm de ser guardadas durante cerca de sessenta anos em poços para arrefecerem e para os seus isótopos decaírem. Os poços têm de ser mantidos refrigerados e cheios de água. Em devido tempo este lixo terá de ser acondicionado, por meio de robótica telecomandada, em vasilhas revestidas de chumbo, aço e cobre electrolítico puro que serão depois enterradas no interior de gigantescos repositórios geológicos considerados seguros. Todo este procedimento é muito dispendioso.
Outro aspecto que vai continuamente inflacionar o preço desta energia prende-se com o facto de a energia nuclear não ser uma fonte de energia renovável. As jazidas de urânio no planeta estão a desaparecer, e à medida que se forem explorando os locais onde a percentagem de urânio é mais baixa ou este se encontrar a maior profundidade o preço do combustível nuclear vai aumentar.
Na sequência do recente acidente em Fukushima, no Japão, têm tido lugar reuniões internacionais e foram criadas equipas especializadas para redefinir e avaliar as condições de segurança de todas as centrais nucleares, diligências que trazem consigo mais custos, imputáveis portanto à própria indústria nuclear. Em conclusão, a energia nuclear não é nem barata nem rentável.
Falemos agora da questão da segurança da energia nuclear. Conta-se já cerca de uma centena de incidentes na história da energia nuclear, que teve início no princípio da segunda metade do século XX. De entre aqueles, 19 acidentes documentados cujas consequências se traduziram em mortes e/ou prejuízos acima dos 100 milhões de dólares, sendo os mais conhecidos Chernobyl e Fukushima.
No passado, a Comissão Nuclear Governamental dos Estados Unidos estimou que a probabilidade de haver um acidente e consequente fusão de núcleos era de 15 % a 45 % para um período de vinte anos.
Devido às consequências catastróficas associadas a um acidente nuclear, as centrais nucleares podem passar a ser alvos preferenciais de ataques terroristas.
O lixo radioactivo produzido pelas centrais nucleares, maioritariamente composto por urânio 238, continua a ser altamente radioactivo durante mais de 4 mil milhões de anos. O manuseamento deste lixo e o seu transporte e armazenamento estão todos sujeitos a estritos requisitos de segurança.
Outra questão associada à segurança da energia nuclear prende-se com o facto de a sua utilização em larga escala favorecer a proliferação de armas nucleares, de três maneiras: em primeiro lugar, pela possibilidade de se poder isolar e purificar o plutónio contido no lixo nuclear, processo este que permite a sua utilização em armas nucleares; segundo, através do enriquecimento do combustível para o reactor (urânio 235) de 3,5 % para 90 %, permitindo a sua utilização em bombas atómicas; em terceiro lugar, pela possibilidade de utilização do lixo radioactivo em combinação com explosivos convencionais, criando as chamadas "bombas sujas".
Com a livre expansão desta indústria a todo o tipo de regimes totalitários e instáveis, corre-se o sério risco de questões de rivalidade regional e internacional ou fanatismo religioso virem a concretizar alguma das acima mencionadas possibilidades. Em conclusão, a energia nuclear não é segura.
Finalmente, a questão sobre se será a energia nuclear 'limpa'. Para além do já referido problema do lixo nuclear que vamos legar a milhares de gerações futuras, outros prendem-se à operação contínua de instalações termonucleares. A promoção do nuclear como uma energia limpa que não contribui para o efeito de estufa ignora os seguintes factos:
- o processo de extracção e processamento do minério para uso nas centrais nucleares implica o uso de energia maioritariamente proveniente de fontes fósseis, para além de uma grande quantidade de água;
- o processo de enriquecimento do urânio produz um composto halogenado chamado hex, mais um resíduo perigoso da indústria nuclear, dezenas de milhares de vezes mais potente do que o dióxido de carbono na sua contribuição para o efeito de estufa. A indústria não consegue captar todo este material, parte do qual escapa para a atmosfera. O facto de não haver dados publicados sobre a libertação de compostos halogenados pela indústria nuclear levanta a suspeição de que a sua contabilização eliminaria qualquer vantagem desta sobre a produção de energia através de combustíveis fósseis, no domínio da produção de gases com efeito de estufa;
- estima-se que a produção de dióxido de carbono possa ser cerca de um quarto da produzida numa central termoeléctrica que usa gás natural, no entanto só recentemente é que se conhece e se começou a estudar a libertação de baixas quantidades de substâncias radioactivas como o trítio, carbono 14 e plutónio 239, entre outras, para o ar e águas locais;
- com jazidas de urânio cada vez mais pobres e profundas será necessária uma muito maior quantidade de energia para a mineração, extracção e enriquecimento. Juntando a isto a necessidade de gastar energia no tratamento dos resíduos nucleares e no desmantelamento das fábricas, a indústria nuclear vai aumentar de tal forma a sua quota de produção de dióxido de carbono que acabará por se tornar mais barato e menos poluidor queimar directamente combustíveis fósseis para a produção de energia eléctrica.
Assim, com uma visão global e portanto mais coerente das implicações da indústria nuclear podemos concluir que a energia nuclear não é limpa.
Para além de a energia nuclear não ser barata, não ser segura e não ser limpa, também já se aludiu ao facto de não ser uma fonte de energia renovável ou inesgotável, como alguns pensam. Portanto, a energia nuclear não é solução para a crise energética.
Em vez de investir em megaprojectos como o da energia nuclear, há quem** defenda uma via alternativa, aqui exposta em quatro pontos:
1) melhorar a eficiência energética através de equipamento mais eficiente;
2) potenciar a produção local de energia, bens e serviços. São necessárias reformas estruturantes para reduzir a profunda dependência que a nossa actividade industrial tem da energia para transporte, quer seja de bens, pessoas ou electricidade;
3) projectar e criar sistemas que utilizem energias renováveis adequadas às necessidades locais;
4) à semelhança das quotas de carbono, deveriam existir quotas de energia negociáveis para a totalidade das economias, por forma a diminuir significativamente o consumo de energia.
As duas opções, por um lado a da energia nuclear centralizada e por outro a das energias renováveis descentralizadas, são paradigmas mutuamente opostos que na prática não vão poder ser prosseguidos em conjunto, nomeadamente por a opção nuclear implicar um tremendo investimento financeiro. Cremos que a via a seguir se apresenta como uma autoevidência.
REFERÊNCIAS
*No documento "Nuclear Power Subsidies" da organização não-governamental Union of Concerned Scientists.
**No documento "Lean Guide to Nuclear Energy", de David Fleming, doutorado em Economia pela Universidade de Londres.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Pachamama — os direitos da Mãe Terra

A Bolívia, no seguimento da revisão constitucional que fez em 2009, está prestes a aprovar uma lei que reconhece à "Mãe Terra" direitos idênticos aos dos seres humanos. Por detrás desta inovadora e sensata medida está a recuperação das mundividências ancestrais, xamânicas e panteístas, dos povos nativos dos Andes. O direito à vida e à existência, à continuidade dos ciclos e processos vitais livres da alteração humana, à água pura e ao ar limpo, ao equilíbrio, à não-poluição e à não-sujeição a modificações celulares ou manipulações genéticas, são alguns dos 11 direitos constantes do projeto de lei.

O ministro dos negócios estrangeiros David Choquehuanca afirma que o o respeito indígena tradicional por Pachamama (Mãe Terra) é vital para deter o aquecimento global. "Os nossos avós ensinaram-no que pertencemos a uma grande família de plantas e animais. Acreditamos que tudo no planeta faz parte de uma grande família. Nós, o povo indígena, podemos contribuir para as crises energética, climática, alimentar e financeira com os nossos valores" afirmou o ministro. Na filosofia indígena, Pachamama é um ser vivo.

A primeira versão da nova lei afirma: "Ela é sagrada, fértil e a fonte de vida que alimenta e cuida de todos os seres vivos no seu útero. Ela encontra-se em perfeito equilíbrio e comunicação com o cosmos. Ela inclui todos os ecossistemas e seres vivos e a sua auto-organização".

O Equador, onde boa parte da população é constituída por diversos grupos indígenas, também alterou a sua constituição para reconhecer à natureza o direito à existência, à preservação e à manutenção e regeneração dos ciclos vitais, estruturas, funções e processos evolutivos". Contudo, este direitos ainda não conduziram à elaboração de novas leis que impeça as companhias petrolíferas de destruírem a algumas das ricas áreas biológicas da Amazónia.

A reportagem que a seguir se apresenta foi dirigida por John Vidal em La Paz, onde os Bolivianos se confrontam diariamente com os efeitos das alterações climáticas.









domingo, 10 de abril de 2011

Não há vida sem água

I. NÃO HÁ VIDA SEM ÁGUA. A ÁGUA É UM BEM PRECIOSO, INDISPENSÁVEL A TODAS AS ACTIVIDADES HUMANAS.

A água cai da atmosfera, na terra, onde chega principalmente na forma de chuva ou de neve. Ribeiros, rios, lagos, glaciares são grandes vias de escoamento para os oceanos. No seu percurso, a água é retida pelo solo, pela vegetação e pelos animais. Volta à atmosfera principalmente pela evaporação e pela transpiração vegetal. A água é para o homem, para os animais e para as plantas um elemento de primeira necessidade.

Efectivamente, a água constitui dois terços do peso do homem e até nove décimos do peso dos vegetais. É indispensável ao homem, como bebida e como alimento, para a sua higiene e como fonte de energia, matéria-prima de produção, via de transporte e suporte das actividades recreativas que a vida moderna exige cada vez mais.


CARTA EUROPEIA DA ÁGUA

do Conselho da Europa

(Proclamada em Estrasburgo em 6 de Maio de 1968)

sábado, 26 de março de 2011

A Teoria de Gaia


Na década de 70 do século XX, James Lovelock (ver foto), é convidado pela NASA para integrar um projeto de pesquisa de vida em Marte. Durante a sua investigação, Lovelock observa a composição da atmosfera marciana e compara-a com as atmosferas terrestre e venusiana. O cientista apercebe-se que as atmosferas dos dois planeta sem vida (Marte e Vénus) estão em equilíbrio químico; os gases que as constituem não reagem entre si. Em contraste, a atmosfera terrestre é composta por uma mistura gasosa que, na ausência de vida, não poderia existir porque os gases reagem quimicamente entre si, consumindo-se até à extinção o que existisse em menor quantidade. Um dos exemplos mais flagrantes é o metano (principal constituinte do gás natural) que existe em pequenas quantidades na atmosfera e que reage com o oxigénio originando dióxido de carbono e água. Apesar desse contínuo consumo, a concentração de metano na atmosfera é aproximadamente constante. Como pode tal acontecer? A explicação reside nos microrganismo anaeróbios, primeiros habitantes do planeta, que, diariamente, libertam quantidades massivas deste gás para atmosfera repondo a quantidade que é consumida na reação com o oxigénio.
Desta forma Lovelock conclui que o planeta Marte não deve albergar vida como a Terra alberga. Esta ideia, aparentemente simples, conduziu-o à construção de uma nova perspetiva da evolução da vida na Terra: a Teoria de Gaia; o planeta, como um todo, desenvolveu processos homeostáticos que contribuem para a manutenção das condições propícias à vida.
Na perspetiva evolutiva darwinista, mais tradicional, a evolução dá-se por uma adaptação das espécies a um meio ambiente em constante mutação; a vida tem apenas a possibilidade de se adaptar. Na perspetiva de Lovelock, todo o planeta revela mecanismos homeostáticos que constroem e mantém as condições necessárias à manutenção e à evolução da vida; as espécies não só evoluem para se adaptarem às condições do planeta, mas também alteram estas condições de modo a se manterem propícias aos seu desenvolvimento. A Terra é, neste contexto, equiparada a um organismo vivo; um organismo capaz de criar condições propícias à manutenção da sua existência. A este sistema, Lovelock chamou Gaia em homenagem à deusa grega da Terra (ver estátua em segundo plano na foto de James Lovelock) cujo nome cedeu o prefixo geo à geografia e à geologia.
Não há qualquer vislumbre de intencionalidade do planeta nas ideias de Lovelock. A manutenção das condições propícias ao desenvolvimento da vida é a consequência de um sistema complexo constituído, não só, por toda a teia de vida do planeta, mas também pelas rochas, pelos rios e oceanos, pela atmosfera, pelas montanhas e pelos desertos... por tudo o que é constituinte deste oásis de vida que gira em torno do Sol. Não há mais intencionalidade em Gaia do que no sacrifício outonal das folhas de uma árvore ou na produção de suco gástrico por um estômago saciado. Há um conjunto infinito de causas e condições que conduziram a estes acontecimentos, mas, tanto quanto se sabe, nenhuma consciência de intencionalidade está patente nestes processos. O mesmo se passa com o megaorganismo Gaia; um conjunto infinito de causas e condições conduz ao surgimento de um complexo sistema homeostático, mas não se reclama qualquer intencionalidade na sua ação.
Quarenta anos depois do seu nascimento, a Teoria de Gaia é hoje uma consolidada e respeitada teoria científica, com inúmeras evidências da sua adequação a uma descrição holística e dinâmica da história e da vida do planeta Terra.
Está na altura de, seguindo o exemplo de países como o Brasil, reclamar a introdução desta perspetiva como parte integrantes dos currículos de ciências do ensino básico português.

domingo, 13 de março de 2011

Ciência, Tecnologia e Nuclear


Inaugurei a década de oitenta com 12/13 anos e nessa mesma década completei o ensino secundário e entrei para a faculdade. A guerra fria estava ao rubro e os filmes apocalípticos – como o The Day After (1983) – que tinham por temática uma guerra nuclear entre a NATO e o Pacto de Varsóvia, faziam sucesso e abalavam consciências. Boa parte das conversas da minha adolescência tinham por pano de fundo a temática da energia nuclear. Não havia mochila ou casaco meu que não tivesse um crachá, com um sorridente sol vermelho em fundo amarelo, a dizer "Energia Nuclear? Não, obrigado." No início da minha rebelião os protestos contra esta fonte de energia confundiam-se com os protestos contra a corrida ao armamento. Lamentavelmente, a escola da época – à semelhança da escola de hoje – não tinha tempo para debater questões politizadas como estas e dada a ausência das facilidades de acesso à informação que hoje temos, demorei um pouco a sistematizar a opinião; foi o acidente de Chernobyl (1986) que me ajudou a clarificar as ideias e a dizer, mais convictamente "Energia Nuclear? Não obrigado."
Já neste século, escutei um novo discurso sobre a questão do nuclear. Apesar das posições anti-nuclear da Greenpeace, da WWF e de outros grupos ambientalistas, algumas das mais respeitadas cabeças no mundo da ecologia levantam as vozes a seu favor; é o caso de James Lovelock, autor da Teoria de Gaia. Se bem se lembram, esta discussão ainda foi sumariamente abordada em Portugal, no início do primeiro mandato do governo chefiado pelo atual primeiro ministro, José Sócrates. Falava-se então em avançar para a construção de uma central nuclear na região Norte de Portugal, mas a ideia foi posta de lado sem grandes azedumes das partes interessadas.
Os argumentos de que o desenvolvimento tecnológico dos reatores nucleares, a capacidade de automatização e controlo de sistemas e o desenvolvimento das tecnologias de informação eram capazes de garantir uma maior segurança das centrais nucleares, quase me convenceram a deitar fora os crachás da minha adolescência.
Na verdade, este novo discurso pró-nuclear conquistou a minha confiança nas tecnologias de produção de energia nuclear e os crachás não foram para o lixo apenas porque persistiram dúvidas relacionadas com questões sociais. Colocando as coisas de uma forma muito sucinta, são quatro as reticências sociais ao uso da energia nuclear que encontrei:
(1) dificuldade de gestão de resíduos: os resíduos nucleares (essencialmente plutónio) mantêm-se radioativos durante milénios – é uma herança pesada que deixamos àqueles que viverem depois de nós – e o plutónio é a principal matéria-prima das bombas atómicas.
(2) centralização – ao invés da descentralização e autonomia energética, a energia nuclear promove o desenvolvimento de monopólios, quer pelos avultados investimentos (iniciais e de manutenção) quer pela especialização e formação da mão-de-obra necessária para operar uma central termonuclear.
(3) uso das centrais como alvo de ataques – as centrais termonucleares poderão ser alvo preferencial de ataques que pretendam causar sérios danos na região onde se situam; uma situação como a que aconteceu a 11 de Setembro de 2001, direcionada para uma central nuclear teria repercussões muito mais alargadas do que a extensa e triste lista das vítimas das Twin Towers.
(4) direitos de acesso ao nuclear – o acesso à tecnologia nuclear, por parte de regimes não democráticos e, por vezes, hostis, como é o caso dos atuais regimes do Irão e da Coreia do Norte (apenas para citar dois exemplos), põe em perigo a segurança mundial – da produção de energia nuclear à construção de bombas atómicas vai um passo demasiado curto.

Na passada sexta-feira a Europa acordou com a notícia do terramoto e do tsunami que assolaram o Japão. A sociedade japonesa é das sociedades mais industrializadas e mais desenvolvidas do ponto de vista tecnológico do mundo. O nível de organização social também é muito elevado. Se assim não fosse, um terramoto de ML = 8,9 (e as réplicas que se sucederam) que assola uma cidade com uma população de 35,6 milhões de pessoas a viverem na sua área metropolitana, teria consequências muito mais dramáticas; a destruição provocada pelo tsunami que se seguiu revelou-se muito mais séria que a do terramoto, mas, para esse a tecnologia e a ciência atuais não tem resposta.
Não tenho dúvidas que o desenvolvimento tecnológico do Japão fez toda a diferença. A sustentar esta afirmação estão as dimensões da tragédia de 2004 que se abateu sobre países tecnologicamente menos desenvolvidos, como a Tailândia.
Foram também as notícias sobre o Japão que me fizeram tirar os crachás da gaveta. Alertas de fugas de radiação em duas centrais nucleares (Fukushima e Onagawa), áreas contaminadas com radiação, falhas no sistema de refrigeração de uma terceira central (Ibaraki) são notícias aterradoras, mesmo fazendo fé nas palavras do primeiro-ministro japonês de que esta situação não apresenta o perigo de atingir as dimensões de Chernobyl. Mas, apenas porque, talvez, o Japão consiga, hoje, minimizar os danos de forma a controlar a situação, não se pode garantir que o consiga sempre. E as centrais noutros países? E Almaraz? Situada a escassos quilómetros da fronteira Portuguesa. Será que conseguiremos controlar a situação em caso de calamidade?

Aglomerámo-nos em megacidades como Tóquio, Londres, Nova Iorque ou São Paulo e se é certo que os combustíveis fósseis não são a solução para alimentar estas devoradoras de eletricidade, estes últimos dias desvaneceram-me as dúvidas: a energia nuclear também não é, obrigado.

segunda-feira, 7 de março de 2011

Bernard Marris sobre a troca de bens intelectuais


A troca intelectual é fundamentalmente diferente da troca mercantilista. Numa troca intelectual, aquele que dá não perde nada e aquele que recebe, toma, mas não despoja o seu interlocutor. O saber, o conhecimento, a arte, podem assim ser partilhados e "consumidos" por todos. O teorema de Pitágoras por milhões de indivíduos, aplicado a milhares de funções, sem que ninguém fique privado. O conhecimento é um bem coletivo, uma água de juventude da qual todos podemos beber sem despertar a menor frustação no outro.

Bernard Marris (2006), Antimanuel d'economie, tomo 2. Paris: Les cigales. (p. 182).
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segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

A história das Coisas

Neste vídeo Annie Leonard apresenta razões diversas para que se dê a mudança do paradigma produtivo linear e mecanicista para um paradigma circular e orgânico.
As legendas tem alguns erros menores, mas o significado mantém-se.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

SOS Sementes livres - Campanha Europeia pelas Sementes Livres


Em 2011 a Comissão Europeia vai propor uma nova regulamentação relativa à reprodução e comercialização de sementes, a chamada “Lei das Sementes”. As novas regras, a serem aprovadas, terão força de lei e sobrepor-se-ão às leis nacionais de cada estado-membro, podendo vir a limitar drasticamente a livre circulação de sementes, impedir os agricultores de guardar sementes e ilegalizar todas as variedades de plantas não homologadas, onde se incluem actualmente milhares de variedades tradicionais, a herança genética vegetal da Europa.

Com esta nova lei, a Comissão Europeia pretende satisfazer os pedidos repetidos da indústria de sementes, que nas últimas décadas assumiu os contornos de um oligopólio, com dez empresas – gigantes da agro-química – a controlar actualmente metade do mercado mundial das sementes comerciais e a quase totalidade do mercado das sementes transgénicas. A indústria de sementes considera que a prática de guardar sementes e a produção de variedades não registadas constituem concorrência 'desleal'. Ao eliminar esta concorrência, sob pretexto de criar um mercado 'justo' e da protecção da saúde pública, as grandes empresas de sementes preparam-se para cobrar direitos aos perto de 75% de agricultores no mundo que ainda guardam e utilizam as suas próprias sementes.

A tendência da privatização das sementes, que se inicou com a autorização de patentes sobre formas de vida, e que a prevista Lei das Sementes vem reforçar, constitui uma ameaça ao nosso património genético comum e à segurança alimentar. Os agricultores deixarão de poder guardar sementes e os criadores independentes deixam de poder melhorar variedades. Por consequência, não haverá nenhum incentivo para preservar variedades tradicionais e o mercado restringir-se-á a um espólio infinitamente mais reduzido de variedades comerciais, onde irão dominar, entre outras, as variedades transgénicas.

Junte-se à Campanha pelas Sementes Livres

Dezenas de milhares de pessoas por toda a Europa estão a pedir activamente que o direito de produzir sementes permaneça nas mãos dos agricultores e horticultores. As sementes de cultivo são um bem comum, criado pela acção humana ao longo de milénios, e uma fonte insubstituível de recursos genéticos para assegurar o acesso a alimentos, tecidos e medicamentos. Devem permanecer no foro público e sob condições algumas entregues para a exploração exclusiva da indústria de sementes.

Os pedidos da Campanha europeia pelas Sementes Livres

  • O direito dos agricultores e horticultores à livre reprodução, guarda, troca e venda das suas sementes.

  • A promoção da biodiversidade agrícola através da preservação das sementes de origem regional e biológica.

  • A recuperação dos conhecimentos tradicionais e a cultura gastronómica local agrícolas.

  • O fim às patentes sobre a vida e ao uso de organismos geneticamente modificados na agricultura e na alimentação.

  • Uma nova política agrária que, em vez de apoiar a produção industrial intensiva e as monoculturas, promove a produção ecológica e biodiversa.

Ajude-nos a inverter o rumo da legislação sobre sementes e a apoiar a biodiversidade agrícola e a agricultura tradicional, com informação on e offline, seminários de sensibilização, a dinamização de hortas guardiãs de sementes e feiras de troca de sementes tradicionais, nacionais e internacionais.

Descarregue aqui um briefing com mais informação sobre este tema.

Ecosofia


O termo ecosofia e a expressão ecosofia T. foram construídos por Arne Naess, pai do movimento ecologia profunda (MEP), a partir das palavras ecologia e filosofia. Por ecosofia, Naess refere-se a uma filosofia ecológica, uma mundividência ontológica de inspiração ecológica, construída pelo indivíduo que lhe permite situar filosoficamente as suas escolhas e as suas ações no âmbito da ecologia e da sua relação com o planeta. Ecosofia T, é o nome que Naess dá à sua própria ecosofia, inspirada em diversas correntes filosóficas do ocidente e do oriente. A letra T surge do termoTvergastein, nome de uma montanha norueguesa onde o filósofo, que também era caminheiro e montanhista, gostava de passar algum tempo em comunhão, reflexão e meditação com a natureza.
Diferentes indivíduos, suportados por diferentes contextos sociais e culturais, poderão desenvolver ecosofias e mundividências ecológicas, sustentadas pelos oito princípios do MEP e pelas suas convicções culturais, religiosas, científicas… etc. O MEP aparece-nos assim como um movimento transversal às culturas onde cada cultura e, cada indivíduo, pode construir ontologias fundamentadas na defesa e conservação dos ecossistemas e na sua própria cultura.
A ecosofia T de Naess fundamenta-se no pressuposto de auto-realização de todos os seres e da interdependência de todos os seres e ecossistemas terrestres - claramente inspirado nas correntes filosóficas do budismo. No entanto existem propostas de ecosofias alternativas, inspirada nos princípios cristãos da ética do amor e na defesa e protecção da Criação que é da responsabilidade de todos os cristãos. Uma ecosofia secular poderá ter por base os princípios ecocêntricos da ecologia científica e os conhecimentos que esta ciência construiu e continua a construir. Uma ecosofia de inspiração gaiana, baseada na teoria de Gaia de Lovelock. Cabe a cada indivíduo a construção da sua ecosofia X (onde X representa o nome que o indivíduo lhe quiser atribuir), que pode (e deve) ser inspirada nas suas crenças e convicções pessoais.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Encontros e desencontros

Os movimentos ecológicos, em particular o Movimento Ecologia Profunda (MEP), e os Movimentos de Defesa dos Direitos dos Animais não-humanos (MDDAnh) apresentam alguns pontos de colisão. Sendo o PAN um partido com preocupações nas áreas da ecologia e da defesa dos direitos dos animais, parece pertinente que se discutam as questões onde se possam verificar alguns desses conflitos. Contudo, antes de passarmos à discussão destas questões é importante deixar um pouco mais claro o que é o MEP.

O termo vida, usado no contexto do MEP, refere-se à ecosfera no global e não apenas à dos seres vivos que a constituem. Naess recorre à expressão “Terra viva” para elucidar a abrangência com que o termo vida é usado neste princípio.


Enquanto que os MDDAnh dirigem o seu enfoque para a proteção do indivíduo e, em particular dos animais domésticos ou sob responsabilidade dos humanos (como é o caso de animais que vivem em zoos), o MEP coloca o seu ênfase na proteção do ecossistema ou das espécies, mostrando uma menor preocupação com o bem-estar do indivíduo. No entanto, isto não significa que os apoiantes do MEP considerem aceitável maltratar um indivíduo de uma espécie desde que isso não coloque em perigo o ecossistema ou a sobrevivência da espécie. A generalidade dos apoiantes do MEP vê estas situações como desrespeito simultâneo do indivíduo violentado e do ecossistema de que o animal não-humano faz parte.

Para maior clareza apresenta-se uma lista dos principais pontos de acordo entre os MDDAnh e o MEP.

  1. Oposição ao uso comercial de animais (domésticos ou selvagens) para a produção de peles para vestuário - o apoiantes do MEP tal como os apoiantes do MDDAnh opõem-se ao uso de animais para a produção de peles, marfins, medicamentos, fragrâncias, etc;
  2. Proteção dos habitats naturais - o reconhecimento da necessidade de preservação dos habitats naturais é, ainda que por vezes por motivos distintos, comum aos apoiantes dos dois movimentos;
  3. Oposição ao tratamento cruel de animais quer na indústria alimentar quer no uso injustificado em investigação científica - um dos estandartes dos MDDAnh é sem dúvida suportado pelo apoiantes do MEP;
  4. Oposição à domesticação de animais selvagens para consumo humano - enquanto que os apoiantes dos MDDAnh são, em geral, mais abrangentes nesta exigência, os apoiantes do MEP opõem-se à domesticação de animais selvagens como por exemplo o bisonte ou o búfalo, para consumo humano; esta questão será retomada no ponto relativa à alimentação.
Em seguida são apresentados alguns pontos em que pode emergir o conflito entre as posições dos MDDAnh e o MEP:
  1. Espécie vs. Indivíduo - como já foi referido enquanto que, de um modo geral o enfoque dos MDDAnh é colocado na defesa dos direitos individuais, os apoiantes do MEP, sem deixarem de condenar os maus-tratos a animais, colocam o seu enfoque na proteção do ecossistema mesmo quando isso implica o sacrifício de alguns indivíduos;
  2. Antropomorfismo e sofrimento individual - os MDDAnh sustentam uma hierarquização de direitos em função da complexidade do animal e da proximidade filogenética à espécie humana; um apoiante dos MDDAnh, não hesitará em eliminar as pulgas, carraças e outros parasitas internos ou externos de um cão ou um gato. Apesar de existirem evidências no domínio da biologia evolutiva e da etologia animal que apontam para uma partilha de sentimentos e emoções entre, por exemplo, muitas espécies de mamíferos, legitimando de certa forma a hierarquização estabelecida pelos MDDAnh, o MEP atribui valor intrínseco a cada uma das espécies vivas (mesmo as espécies não-animais) e defende que todas elas têm um papel igualmente importante na manutenção do equilíbrio ecológico e não valoriza uma em detrimento de outra; Convém, no entanto, salvaguardar que os apoiantes do MEP não se opõem à prestação de cuidados de higiene e saúde a animais domésticos ou mesmo a animais selvagens, reconhecem porém o papel controlador no número de indivíduos de uma espécie que, por exemplo, os parasitas poderão ter.
  3. Alimentação: vegetarianismo/veganismo - ainda que alguns apoiantes do MEP sejam vegetarianos ou veganos não há por parte dos apoiantes deste uma particular preocupação neste sentido. Ainda que os argumentos ecológicos da produção em massa de animais para consumo humano sejam uma preocupação dos apoiantes do MEP, estes não se opõem à produção biológica que respeite as necessidades dos animais e lhes propicie boas condições de vida durante a sua criação. Outra potencial fonte de alimentos de origem animal será a caça ou a pesca em pequena escala;
  4. Caça e pesca - sendo o enfoque do MEP no ecossistema reconhece a predação como uma relação biótica de importância fundamental na manutenção do equilíbrio do ecossistema. Por outro lado, o reconhecimento da espécie humana como uma espécie idêntica às outras, seria absurdo negar-lhe o “direito” a essa relação biótica. Por outro lado, a excessiva intervenção humana em grandes áreas naturais, em particular na Europa (a região mais humanizada do planeta) conduziu à eliminação ou diminuição de populações de predadores que obrigam a um controlo por parte dos humanos das espécies predadas, como coelhos, ratos do campo, etc. Em relação à pesca, a situação mantém-se. Os apoiantes do MEP opõe-se às práticas destrutivas de pesca, como é o caso do arrasto, à captura de indivíduos que ainda atingiram a sua maturidade sexual e a outras práticas que coloquem em risco o equilíbrio dos ecossistemas marinhos, porém não se opõem à captura para consumo indivídual.
  5. Espécies selvagens exóticas e animais domésticos que se tornaram selvagens - os apoiantes do MEP opõem-se à introdução de espécies exóticas (selvagens ou semi-selvagens) num habitat estabelecido porque reconhecem que a perturbação que daí pode advir poderá ser irreversível. Os MDDAnh apoiam a manutenção de grupos de animais semi-selvagens (geralmente cães ou gatos) em habitats e ecossistemas estabelecidos (é importante salientar que os ambientes urbanos também são ecossistemas e que algumas espécies se adaptaram perfeitamente a esses ambientes ao ponto de começarem a ser olhadas como sub-espécies). Esta situação necessita de um apertado controlo sobre os efeitos que isto poderá ter nas outras espécies que também habitam no ecossistema.

Pontos em que o MEP assume uma posição flexível circunstancial:

  1. Manutenção de animais em Zoo e aquários - a manutenção de animais selvagens em cativeiro é, regra geral, alvo de crítica dos apoiantes do MEP. No entanto, reconhecem, em determinadas circunstâncias a importância que estas instituições poderão ter na proteção do ecossistema e na manutenção das espécies. Os zoos e aquário funcionam frequentemente como centros de reprodução de determinadas espécies permitindo a reintrodução de novos indivíduos no habitat natural. Também reconhecem a importância que estes espaços poderão ter na promoção da educação ecológica, na manutenção de uma variabilidade genética e no estudo de comportamentos (sociais, reprodutores, alimentares, etc) das espécies mantidas em cativeiro. Desta forma, os apoiantes do MEP tendem a adotar uma postura de policiamento destas instituições como forma de garantir que, aos animais mantidos em cativeiro, são propiciadas todas as condições que lhes permita ter uma vida com qualidade e a reprodução de hábitos e comportamentos essenciais que teriam em liberdade.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

A transculturalidade no Movimento Ecologia Profunda


O diagrama ilustrado na Figura realça a forma como, através do questionamento e da interrogação profundos, o indivíduo constrói a sua mundividência, que integra o nível 1 do diagrama e é suportada nos oito princípios do MEP. A sua construção deve adaptar-se à realidade religiosa, social e cultural do indivíduo que a reconstrói à medida que o mundo, e ele próprio, se transformam e progridem. A edificação da sua ontologia - da sua metafísica individual – é deixada ao critério de cada indivíduo. Ao passo que a elaboração de políticas e normativas que, eventualmente, se concretizam nas ações e decisões particulares, é da responsabilidade das diversas sociedades e comunidades humanas. Os oito princípios que constituem a plataforma do MEP são transculturais, e situam-se no nível 2 do diagrama de Apron.

Numa reflexão acerca da diversidade de concretizações de cada um dos níveis, parece-nos que a variabilidade do nível 1 é vasta e próximo do grau de variabilidade do nível 4 onde se incluem as ações e decisões individuais. No nível 2, onde se encontram os princípios da plataforma do MEP, é onde encontramos menor variabilidade ao passo que no nível 3, onde se situam as normativas e políticas adotadas que estarão, virtualmente, adaptadas às realidades sociais, culturais e económicas das comunidades que as constroem e adotam, encontramos uma diversidade maior que no nível 2 mas, com certeza inferior às que encontramos nos níveis 1 e 4..

Independentemente de nos identificarmos, mais ou menos, com determinadas correntes ecosóficas, o que nos parece interessante e útil no MEP é a sua capacidade de adaptação, quer ao indivíduo quer às sociedades, permitindo a construção de ontologias ecológicas diversificadas, individuais e coletivas que conduzam as sociedades a uma relação mais harmoniosa, respeitosa e saudável entre si e com o mundo natural do qual são parte integrante e legítima.

sábado, 29 de janeiro de 2011

O Movimento Ecologia Profunda

As ideias e princípios do MEP foram desenvolvidos durante a década de 70, pelo filósofo norueguês Arne Naess (1912–2009). No entanto, é pela mão de Bill Devall e George Sessions, ambos estado-unidenses, que as ideias e princípios do movimento e da sua plataforma se tornam conhecidos. Este movimento surge como resposta filosófica e ética à crise ecológica que se tem vindo a acentuar quer no mundo físico quer nas nossas perceções que se desenvolvem deste mundo. A designação ecologia profunda (deep ecology) surge por oposição ao termo ecologia superficial (shalow ecology) que Naess atribui aos aspetos mais técnicos e menos filosóficos da ecologia. Por vezes mal compreendida, esta terminologia pretende apenas salientar as diferenças entre uma abordagem dos temas ecológicos na perspetiva filosófica e na perspetiva técnica. Assim, o termo profundo refere-se a uma abordagem reflexiva e crítica que, transcendendo as questões operacionais, eventualmente, conduz o indivíduo a questionar o seu papel e a sua condição no mundo, levando a uma eventual construção da sua filosofia ecológica (ecosofia). Por outro lado o termo superficial refere-se às abordagens mais pragmáticas, muitas vezes associadas ao desenvolvimento de tecnologias verdes que não revela preocupações de cariz afetivo ou filosófico na relação do indivíduo com o meio circundante. Ainda que Naess (2001) seja um pouco crítico em relação à abordagem da ecologia superficial, referindo que os seus objetivos são essencialmente “a saúde e riqueza das comunidades dos países desenvolvidos” (p. 28), não deixa de valorizar os aspetos científico-tecnológicos da ecologia como nos é dado a perceber quando afirma que “o movimento ecologia profunda é suportado pelos resultados das investigações em ecologia e, mais recentemente, nos trabalhos da biologia conservativa” (p. 26). O MEP procura ultrapassar as visões utilitaristas do mundo natural e cultivar uma relação de inclusão que vê os humanos como constituintes dos ecossistemas e parceiros legítimos de todas as outras espécies. Sem deixar de reconhecer as características particulares dos seres humanos, afirma que, do ponto de vista ecológico, a humanidade é uma espécie entre tantas outras, inevitavelmente interdependente do ecossistema planetário. O MEP apoia-se nas perspetivas científicas veiculadas por James Lovelock e Lynn Margullis na mesma década em que este movimento surgiu e que ficou conhecida por Teoria de Gaia.

Esta perspetiva (gaiana) levanta algumas questões no que respeita à extensão das intervenções da humanidade no mundo natural. Trata-se de uma perspetiva ecocentrada onde o mundo natural é visto como uma extensão de nós mesmos e não como um recurso a explorar à exaustão. Numa mundividência gaiana, pode afirmar-se que os humanos são constituintes do mega organismos Gaia.


Seguidamente transcrevem-se os oito princípios do MEP:

1. O bem-estar e a prosperidade da vida humana e não-humana na Terra têm valor próprio (valor intrínseco, valor inerente). Estes valores são independentes da utilidade do mundo não-humano para os propósitos da humanidade.

2. A riqueza e a diversidade das formas de vida contribuem para a realização destes valores, e são também valores em si mesmo.

3. Os seres humanos não têm o direito de reduzir esta riqueza e diversidade, exceto para satisfazer necessidades humanas vitais.

4. A prosperidade da vida e da cultura humana é compatível com um decréscimo substancial da população humana. A prosperidade da vida não-humana requer esse decréscimo.

5. A atual interferência humana com o mundo não-humano é excessiva, e a situação está a piorar rapidamente.

6. As políticas têm assim de ser alteradas. Elas afetam estruturas económicas, tecnológicas, e ideológicas básicas. A situação resultante da sua alteração será, assim, profundamente distinta da atual.

7. A mudança ideológica ocorrerá, sobretudo, no sentido da apreciação da qualidade de vida (mergulhando em situações de valor inerente) em vez de adesão a padrões de vida cada vez mais elevados. Haverá uma consciência profunda da diferença entre “grande” e “desejável”.

8. Os que subscrevem os princípios anteriores têm a obrigação de direta ou indiretamente tentarem instituir as mudanças necessárias (Silva, 2004, pp. 219-220).

O termo vida, usado no contexto do MEP, refere-se não apenas aos seres vivos mas abrange também paisagens, rios, “culturas humanas e não-humanas” (Devall & Sessions, 1985, p. 70) e ecossistemas; à ecosfera no global e não apenas à dos seres vivos que a constituem. Naess (2001)recorre à expressão “Terra viva”(p. 29) para elucidar a abrangência com que o termo vida é usado neste princípio.

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Devall, B., & Sessions, G. (1985). Deep ecology: Living as if nature mattered. Salt Lake City: Gibbs Smith Publishers.

Naess, A. (2001). Ecology, community and lifestyle. Cambridge: Cambridge University Press.

Silva, J. M. (2004). Ecologia profunda: da ecofilosofia à politica ambiental In M. J. Varandas & C. Beckert (Eds.), Éticas e políticas ambientais. (pp. 211-26). Lisboa: Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa.